sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Um jovem vegetariano em apuros

                A missão era fazer o reconhecimento da Estação Ecológica de Maracá-Jipioca (SEMA/MMA), localizada na costa do então Território Federal do Amapá. A equipe formada por mim, um colega de botânica, outro de pesca e mais um monitor da ecologia da então Faculdade de Ciências Agrárias do Pará, FCAP, hoje Universidade Federal Rural da Amazônia, UFRA. Fomos para Macapá em voo comercial. De lá seguimos por estrada – BR 156 – até a cidade do Oiapoque, ponto mais setentrional, mais próximo da estação e de onde embarcaríamos em um barco pertencente ao governo do Território para finalmente chegarmos na estação. O gestor local da estação nos prestou assistência logística e também acompanhava a expedição. Antes da partida de Macapá, porém, o coordenador do Projeto Rondon, campus do Amapá, nos procurou pedindo que a gente deixasse um jovem estudante paulista que estava acantonado no campus ir com a gente na expedição. Concordamos prontamente. Na hora prevista da partida o rapaz chegou acompanhado do coordenador que nos informou ser ele vegetariano e que só comeria vegetais. Mostrou-nos uma enorme saca de aniagem cheia dos alimentos (frutas, hortaliças, arroz, feijão, farinha, etc.) que foi em seguida embarcada na camionete de nossa viagem. Partimos.

                Chegando em Oiapoque (cerca de 600 km de Macapá) fomos para o escritório da base da estação aguardar a chegada do barco do Território mais adequado, que faria o trecho aquático e o restante da expedição até as ilhas de Maracá e Jipioca. O primeiro dia anoiteceu e o barco não chegou. A comunicação telefônica entre a cidade de Oiapoque e Macapá era quase impossível. O que nos valeu foi eu ter levado o meu rádio amador PX portátil e uma antena. Instalei na bateria da caminhonete e comecei a “chamar” por Macapá. Finalmente, através de uma “ponte” com um colega PX consegui saber que o barco do Território já tinha partido para o Oiapoque. O dia terminou e o barco nada de chegar. No outro dia insisti e novo contato foi estabelecido. Afirmei que o barco não tinha chegado ainda. Foi aí que tomamos conhecimento que o dito tinha encalhado e por isso não conseguiu chegar em Oiapoque. Sabendo disso, conversei com a equipe e decidimos alugar um barco local para finalmente cumprir a missão.

                O barco alugado era bem pequeno, mas o maior lá disponível. Satisfazia as nossas necessidades mínimas. O colega da botânica desistiu de continuar a viagem alegando compromisso e voltou pra Belém. Estávamos no quarto dia da viagem quando partimos finalmente em direção às ilhas. De saída, percebemos que a correnteza nessa parte da costa oceânica era bastante intensa. O barco que viajávamos encarava as enormes ondas de proa. Em alguns instantes só víamos água na nossa frente. Todos os embarcados usávamos os coletes salva-vidas. Decidimos com a ajuda do comandante atravessar na altura do igarapé do Inferno – o nome já diz tudo – que separa as duas ilhas. Segundo ele, a maresia era bem menor e poderíamos fazer as observações ambientais necessárias com mais calma e segurança. Assim fizemos. Já estava anoitecendo quando decidimos ancorar na entrada do igarapé, um ponto mais calmo com pouca maresia. O marinheiro que ajudava o comandante era também o nosso cozinheiro. O cardápio era sempre ou quase sempre feijão com arroz, farinha e charque. O jovem vegetariano, porém, dele não participava. Sentava-se no convés, pegava o sacode aniagem, desamarrava-o e tirava o que ia comer. Algumas frutas, cenouras e outras. Assim era a rotina da viagem.

                Já estávamos no sexto dia. Tínhamos feito todo o perímetro de Jipioca, a menor das duas ilhas. Agora iríamos fazer o de Maracá. Rumamos em frente pelo igarapé do Inferno. Ao chegarmos no ponto mais afastado do litoral, ou seja, em mar aberto, a coisa pegou. O pequeno barco chacoalhou tanto que decidimos não encarar as grandes maresias. O vento era forte demais! Recuamos e ficamos ancorados na boca do igarapé. Segundo o comandante, a maresia pela manhã era menor. Acatamos a sua informação e pernoitamos aí.

                Todos os dias pela manhã, eu tentava comunicação através do rádio PX, mas em vão. Já na hora do almoço deste sétimo dia, – em nosso planejamento era o último da expedição – observamos que o jovem vegetariano não comera nada. Oferecemos a nossa “boia” mas recusou e mostrou o que tinha sobrado em seu saco dispensa: cinco ouriços de castanhas-do-pará!

                – Eu não sei comer isso! – falou ele, meio desanimado e encabulado.

Nos entreolhamos e o comandante sabiamente disse:

                – Pra comer tem que abrir o ouriço. Dentro dele é que estão as castanhas-do-pará!

O jovem vegetariano fez cara de não saber como abrir o pixídio, ou cumbuca. Aí, o comandante pegou um terçado que guardava no armário da cozinha do barco e ensinou ao jovem vegetariano como abrir o ouriço e assim alcançar as castanhas-do-pará. O jovem vegetariano tomou para si a tarefa e começou a abrir um ouriço, o maior, segundo ele, para comer as castanhas. Acho que demorou quase uma hora para abri-lo visto que o material era duro e ele não tinha nenhuma habilidade no uso do terçado. Oferecemos o almoço para ele, mas ele, intransigente e decidido, optou pelo alimento vegetal. Eram quase quatro da tarde quando ele conseguiu abrir o primeiro e quiçá o único ouriço de castanha-do-pará daquele dia. Mas o alimento ainda não estava pronto para ser ingerido. Faltava tirar os pericarpos – cascas – das sementes. O jovem, já bastante suado, não desistia. Oferecemos mais uma vez a comida do almoço e ele, irredutível, respondeu de novo “não”. Seguimos viagem.

                No dia seguinte, completada cerca de 70% da missão – faltou fazer a parte de fora da ilha maior – Maracá – decidimos retornar para o Oiapoque e encerrar a expedição. Nas últimas refeições no barco, finalmente o jovem vegetariano pediu arrego. Só tinha aberto mais um ouriço de castanha-do-pará, porém, a fome falou mais alto. Passou a alimentar-se de nossa comida até, enfim, chegarmos de volta a Macapá: charque com feijão, arroz e farinha grossa à vontade!

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Publicado em 15 de junho de 2021 em WEBARTIGOS


A minha primeira aula na faculdade

 

                Acordei por volta das 6 horas. Tomei banho, vesti a bata personalizada com a logo da agronomia, que minha mãe generosamente confeccionou, recolhi os materiais escolares indispensáveis para a primeira aula de desenho (saudoso mestre Almir), tomei café e rumei serelepe para a parada de ônibus, que ficava a um quarteirão de casa, na 16 com a Veiga Cabral. Ansioso, esperava a chegada do Tamoios, a única linha de ônibus urbana cujo ponto final era o prédio central da então Escola de Agronomia da Amazônia, EAA, que logo em seguida passou a se chamar de Faculdade de Ciências Agrárias do Pará, FCAP, e hoje é a Universidade Federal Rural da Amazônia, UFRA.

                O ônibus não demorou. Subi pela porta traseira e me acomodei no primeiro banco livre que encontrei, acomodando a enorme régua tê e esquadros. O veículo seguiu pela avenida 16 de Novembro. Minutos mais tarde, o cobrador, fazendo o téc-téc-téc característico do atrito de duas moedas colocadas em uma de suas mãos onde se via também algumas cédulas de papel dobradas longitudinalmente – estes eram os sinais do cobrador – veio me cobrar a passagem, o que fiz em um simples gesto, visto que o numerário já estava reservado certo em uma de minhas mãos.

                O ônibus seguiu. Mais adiante, três quarteirões, subiram outros estudantes. Eram os moradores da Casa do Estudante Universitário do Pará. E mais outros. Até então, a lotação do ônibus estava maneira, todos viajavam ainda sentados. Alcançou finalmente a Av. Portugal, dobrou na Av. Castilhos França, esquina com o famoso Mercado do Ver-o-Peso e rumou, sempre numa velocidade agradável, o que permitia ver e acompanhar os movimentos dos pedestres e as rotinas de abrir as lojas do comércio. Subiu a pequena ladeira do começo da av. Presidente Vargas e mais alguns estudantes embarcaram. A lotação de passageiros se equilibrava, pois enquanto os estudantes subiam, muitos comerciários desciam rumo aos seus empregos.

                E assim seguia o ônibus até alcançar a av. Nazaré. E o sobe e desce de passageiros continuava. Vez por outra, acomodava os materiais de colegas que tinham embarcado, porém, estavam em pé no corredor do ônibus. Por ter no itinerário diversos colégios, o ônibus mantinha-se nem tanto cheio, nem tanto vazio. Alcançou a av. Independência (atual av. Magalhães Barata), daí a av. José Bonifácio e por fim o Mercado de São Brás. Aqui, muitas pessoas subiam vindas do mercado e da feira de São Brás, ali próximo.

                Nessas alturas, podia dizer que estava saindo do centro e chegando nos bairros mais afastados do Marco e Souza. O Tamoios finalmente alcançou a av. Tito Franco (atual av. Almirante Barroso). Parece que nesta altura os intervalos das paradas se tornaram mais compridos, porém, ainda alguns estudantes subiram no ônibus. Chegou enfim a trav. Itororó (atual trav. Enéas Pinheiro), bem em frente ao Bosque Rodrigues Alves, e nela o ônibus dobrou à direita. A essa altura, o relógio batia as 7 horas.

                Mais alguns estudantes, funcionários e professores da FCAP tomavam o ônibus, especialmente na parada da esquina com a av. Primeiro de Dezembro (atual av. João Paulo II). Ao fundo já se avistava o portão do Instituto de Pesquisas Agropecuárias do Norte, IPEAN, hoje EMBRAPA Amazônia Oriental. Dentro do veículo restavam quase 100% só de estudantes, funcionários e professores da EAA/FCAP/UFRA. Agora o papo corria mais solto ainda. Os veteranos encarnando nos calouros e o ônibus seguia pela estrada em direção do prédio central.

                Depois de passar por diversas paisagens, até então desconhecidas pra mim como um pequeno lago, um cultivo de cumaru, dendê e seringueira, finalmente por volta das 7h15 cheguei ao prédio central, onde ficava o ponto final da linha do Tamoios. Desci ansioso e quase correndo fui em direção da sala de Desenho, na ala de Engenharia, para participar finalmente da minha primeira aula na faculdade! 2 de março de 1970, segunda-feira!

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Publicado em 05 de maio de 2021 em WEBARTIGOS

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Eita, mundo estranho!

 

                Moro no endereço atual há mais de trinta anos, exatamente desde o dia 17/12/1989, um domingo. Por castigo da instituição em que eu trabalhava, participei com presidente pela primeira vez, de uma sessão eleitoral. Era o segundo turno da eleição presidencial, onde Fernando Collor foi eleito presidente do Brasil. Enquanto eu trabalhava na eleição a mudança era feita a bordo de uma velha caminhonete Bandeirantes, apelidada de Clorofila.

                Hoje, dezembro de 2020, trinta e um anos depois, em pleno isolamento social imposto pela pandemia do COVID-19, constato uma real situação social: Só me relaciono com 10,29 % dos moradores do prédio. Em números absolutos, apenas sete vizinhos, dos 68 apartamentos existentes e ocupados. Quando digo me relaciono, é que sei os seus nomes e apartamentos. Trocamos mensagens pelo WhatsApp, nos telefonamos, interfonamos e eventualmente papeamos, ou durante a viagem do elevador ou lá embaixo, no playground. Visitas físicas são raras. Os outros 89,71% (61 moradores), eventualmente respondem aos cumprimentos nos ambientes comuns do prédio como portaria, salas de estar, playground, garagem e elevador.

                Ai, me veio mais uma vez, as sábias palavras do Papa Chico: “Fica anos sem conversar com um vivo e se desculpa, faz homenagens, quando este morre” A carapuça mais uma vez cai sobre a minha cabeça. Realmente é estranho. Poderia justificar que seria o estilo de vida do mundo atual, a correria do trabalho, as atrações das televisões, comodismo, etc. Mas…

                De novo lembro das palavras do Papa Chico: “… Não tem tempo para visitar o vivo, mas tem o dia todo para ir ao velório do morto”… E penso: – São tão próximas as portas de entrada. Ás vezes no mesmo andar, outras vezes alguns andares acima ou abaixo… Não tem a dificuldade de estacionar o automóvel, de pegar chuva ou até de ser abordado por um assaltante…

                Esta constatação me veio à tona, pelo simples fato quando decidi – como tenho constantemente feito – de contrariar as palavras do SumoPontífice, ao compartilhar com alguns vizinhos, as plantas que cultivo em Meu Nano Viveiro, aqui na mínima sacada do apê, presenteando-lhes neste Natal e Final de Ano.

                É inevitável lembrar de minha infância e juventude passadas morando em uma casa térrea, simples, no bairro da |Cidade Velha, Belém, Pará, quando os vizinhos preocupavam-se uns com os outros:

                – Fulano! Tu deixastes a luz ligada! Ou: – Sicrano! Esquecestes o portão aberto e o cachorro fugiu pra rua! Ou ainda: – Beltrano! O Zé dos Correios passou e como não estavas em casa, eu recebi uma carta endereçada a ti. Frequentemente trocavam-se alimentos. A vizinha mandava um quitute que acabara de fazer para a gente experimentar. E a gente retribuía. Nas festas juninas, o quarteirão todo se reunia e fazíamos juntos os arraiais, com comidas, decorações e quadrilhas comunitárias.

                Ah, devo lembrar que passei cerca de sete anos morando com a família em Soure, Pará. De 2010 até 2017, lá morei. E esse comportamento social que na capital parece extinto, lá ainda vigora! Os vizinhos se preocupam com os seus vizinhos. Claro, sempre pode acontecer alguma discussão, quando o cachorro invade a casa e vai catar comida na cozinha. Ou quando o gato, descobre o peixe em cima do jirau no quintal… Mas sempre são solidários na alegria e na tristeza; na safra ou na escassez. Como comi manga rosa da vizinha…

                Quando voltei a morar em Belém em 2017, depois de ter passado sete anos em Soure, Pará, decidi exercitar rotineiramente o comportamento que lá tinha reaprendido, o de manter uma política de boa vizinhança e cordialidade com meus vizinhos. Os resultados, porém, agora conhecidos, me fazem exclamar: – Eita, mundo estranho!

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Publicado em 12 de janeiro de 2021 em WEBARTIGOS

A maior coincidência do mundo!

 

Homenageio o meu saudoso tio e padrinho,

João Sobrinho Gondim, o Joca.


                O ano era 1972. Estava eu em São Paulo, capital, alojado no Estádio do Pacaembu. Fazia parte de uma operação nacional do Projeto Rondon. Aguardava a partida para a cidade onde atuaria, Tarabai. Eu e um monte de universitários. Eram todos estudantes do Norte e Nordeste brasileiros. Eu cursava agronomia em Belém. Eram feitas reuniões diárias a fim de organizar os deslocamentos das equipes para os municípios paulistas que receberiam o Projeto Rondon.

                Em um dos intervalos das diversas reuniões do grupo todo, eu e mais dois colegas de equipe, decidimos passear pela cidade, enquanto a hora da partida para o interior não chegava. Resolvemos ir caminhando para conhecer o centro da capital paulista. Rodamos extasiados com a verdadeira cidade de concreto. Prédios e mais prédios. Por volta de meio dia resolvemos voltar para o almoço. Como disse, todos estudantes universitários e sem grana pra comer sequer um sanduíche. Foi na caminhada de volta para o alojamento do estádio que tudo aconteceu. Já eram quase meio dia e precisávamos almoçar.

                Retornávamos calmamente pela rua Beneficência Portuguesa, centro, quando de repente passa em nossa frente em direção ao meio-fio, um senhor de paletó. Cruzamos sem parar. Porém, milésimos de segundos adiante, minha memória aflorou de forma límpida e cristalina e disparou um sinal como se fosse uma sirene:

                – Eu conhecia aquela pessoa!-- pensei. Ao mesmo tempo voltei o rosto em direção a ela e instintivamente gritei!

                – Ei, Tio Joca! – Dei um grito sem pensar ou avaliar a situação de um possível constrangimento. Ele bruscamente parou, virou-se pra mim e sorrindo escancaradamente, me respondeu:

                – Você é o Carlos José, filho do mano Lindalvo, que mora em Belém do Pará?! – falou ele. Não deu tempo nem pra responder. Nos abraçamos. – Vamos, venham comigo. Vamos almoçar em casa! – falou ele abrindo a porta do carro que estava estacionado bem em frente da gente. Seguimos todos. Apresentei meus colegas a ele, contei de nosso objetivo ali e começamos a conversar. Uma conversa amistosa, alegre e cheia de recordações. Relembramos a última vez que tínhamos nos encontrado presencialmente, como se diz hoje. Quase dez anos atrás. 1965! Eu tinha quatorze anos! E assim fomos. Meus colegas ficaram a maior parte do tempo calados, talvez, tentando entender toda a inusitada situação.                     Ao aproximar-se de sua casa, alguns minutos adiante, ele começou a manobrar para estacionar. Abruptamente reacelera o carro e não para. Ficamos todos espantados sem entender o que estava acontecendo. – Tão vendo esses dois – falou ele apontando para dois sujeitos que vinham em passos acelerados em direção ao carro do meu tio. – São bandidos! Iriam nos assaltar! Engolimos em seco e seguimos com ele. – Vou dar a volta no quarteirão e esperar eles sumirem. E assim ele fez. Voltamos e estacionamos, agora em segurança na frente da casa do meu padrinho Tio Joca. Almoçamos todos, conversando e relembrando a família. O resto do dia foi só alegria e recordações.

                Ao final, ele foi nos deixar na frente do Estádio do Pacaembu. Penso que esta tenha sido a maior, das maiores coincidências de minha vida!

Com esta publicação presto homenagem ao saudoso colega Tito Lys Batista de Souza, que comigo estava na ocasião deste inusitado fato.

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Publicado em 09 de setembro de 2020  em WEBARTIGOS

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

O Bloco do caranguejo leite

 

"Eu sou o caranguejo leite,
Respeite o meu viver,
Estou correndo perigo,
Não mexa comigo,
Que eu também quero crescer!"


                Essa era a marchinha composta pelo Antônio Juraci Siqueira, poeta, escritor e educador, que puxava o Bloco do Caranguejo Leite no carnaval de Soure, Pará, anos atrás! De repente, veio a ideia de fazer no mundo dos Humanos, o que a Natureza faz nessa mesma época: o Carnaval! O Ucides, sai pra acasalar e pra crescer! E quando ele está crescendo, o corpo dele fica todo mole e leitoso, daí o nome de caranguejo leite, apelido recebido dos extrativistas dos manguezais, os caranguejeiros! Mas não é um leite da teta de búfala, não! É um leite de matéria orgânica e mineral que torna a carapaça, ou melhor, o exoesqueleto, ou ainda mais diretamente, a casca dele, mole e leitosa, como se de leite fosse. Pois bem, o Bloco do Caranguejo Leite pegou as ruas e travessas da cidade. Composto por 2 carros, ou seja, uma carroça puxada por búfalo e uma velha caminhonete Toyota Bandeirante, que tinha o apelido de “Clorofila”. Os brincantes iam atrás, sem abadás, mas com uma camiseta customizada do bloco. E cantavam: “Eu sou o caranguejo leite…” 

                A fanfarra do Mestre Cupijó animava a todos. Na carroceria da velha Clorofila vinha a performance do Caranguejo-Leite. Um dos brincantes, assumiu o papel do caranga e em gestos quase eróticos e obscenos, se contorcia dentro de uma bacia, ao mesmo tempo que com uma cuia, tomava banho de leite, do mais puro leite de búfala, diga-se de passagem, simbolizando o crescimento do crustáceo. E o cortejo seguia alegre e feliz. Mais atrás, vinha a carroça do búfalo. Na sua carroceria, um caldeirão instalado sobre um fogareiro em brasas, oferecia o mais autêntico e revigorante, pra não dizer afrodisíaco, Caldo de Turu para todos! 

                E a fuzarca seguia, alegre e feliz. A evolução era cadenciada, nem muito rápida, nem muito lenta. O destino era a Quarta Avenida, – ou será a 4.ª Rua, onde estava instalado o palanque das autoridades para assistir ao desfile oficial. De repente, na altura da Décima Sexta Travessa quase esquina da 3.ª Rua, o inesperado aconteceu: O carro de búfalo que carregava o Caldo de Turu, sacolejou quando uma de suas rodas caiu em um incauto buraco derramando todo Caldo de Turu! Ugh! Ugh! O cortejo parou. O caldo de turu inevitavelmente escorreu todo pro chão sujo sem a mínima possibilidade de ser sorvido…

                Sem chorar pelo caldo derramado, a trupe carnavalesca continuou. A performance, porém, do Caranguejo Leite, continuava a chamar a atenção dos observadores boquiabertos. Alguns mais afoitos e incrédulos, mandavam a molecada fazer a prova dos nove pra ver se realmente era leite que escorria do corpo do caranguejo, quer dizer do humano transfigurado em caranguejo. 

                Finalmente, o bloco chega ao sambódromo de Soure, na Marquês de Sapucaí, digo, na Quarta Avenida, digo, 4.ª Rua. Apoteose triunfal do bloco com a carroça do búfalo sem o caldo do turu, mas com um caranguejo completamente leitoso e crescido, que seguiu alegre e feliz até a dispersão final do bloco cantarolando…


"Eu sou o caranguejo leite,
Respeite o meu viver,
Estou correndo perigo,
Não mexa comigo,
Que eu também quero crescer!"


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Publicado em 07 de fevereiro de 2020 em WEBARTIGOS

Carta escancarada aos meus redeiros sociais eventuais e assíduos

 

Belém (PA), 15 de maio de 2019.

Prezados (as),

                Vou seguir os conselhos de meu médico urologista – não, não é o neuropsiquiatra, não! Por incrível que possa parecer, conversamos além dos remédios, resultados de exames, ultrassonografias, dores, temas medicinais ou de saúde. Fomos além. Sobre a vida, sobre o mundo, enfim, sobre aquilo que somos ou fazemos muitas vezes, sem percebê-los. Isso tudo em 10 minutos de consulta!

                Pra começar vos digo, que não postarei mais nenhum texto, imagem, vídeo, áudio, emojis, GIFs, figurinhas, seja que peça for, que contenham mensagem políticas e político-partidárias como por exemplo “Fora Temer!, Lula Livre!, Bolsonaro Mito!, Chupa Essa Neymar!, Juiz F.D.P.!, O STF é uma Vergonha!, Prefeito Fujão!, Governador Cantor!, Senador Tatoo!” e assim por diante… Também não verei mais programas de TV ditos sérios como o Fantástico, ou Domingo Espetacular, ou jornalísticos e noticiários diários como Jornal da Band, Jornal Nacional, Bom Dia Pará, Jornal Liberal 1 e 2, Cidade Alerta, Brasil Urgente!, dentre outros. Verei sim, os clips musicais do Digishow Saudade, do Saudade Não Tem Idade, o programa dominical do gagá Sílvio Santos ou as baboseiras do Encrenca. Eventualmente um filme documentário de natureza ou de seres extraterrestres, meus temas preferidos.

                Diminuirei o tempo que levo dirigindo automóvel, porém, quando estiver dirigindo, não farei gesto obsceno pro motorista que reclamou por eu travar o fluxo dos carros ou demorei um segundo pra avançar na abertura do sinal verde, nem chamarei palavrão ao motociclista afoito que encostou no retrovisor externo do carro. Se um motorista mágico ligar o pisca alerta e deixar seu carro em fila dupla na minha frente, não mandarei a sua mãe praquele lugar horrendo e senil. Usarei mais intensamente o Triciclo Feliz nas ciclovias, ciclofaixas e até em meios-fios das praças, ruas e avenidas de minha cidade, mesmo em dias ensolarados os chuvosos.

Voltando à internet e nesta às redes sociais, não encaminharei notícias fakes espetaculares como a queda do preço da energia elétrica em 50%, nem do combustível em 90%. Muito menos compartilharei “correntes” milagrosas ou imagens e vídeos de mulheres gostosas, nuas ou seminuas que me sugerem o êxtase total. Nesse tema seguirei fielmente a filosofia do mineirinho do Ziraldo, que dentre outros, ensina que “o tempo que levas fazendo é o mesmo tempo que levas olhando”.

                Portanto, peço meus queridos redeiros, que poupem seus terabytes me acordando com bons dias cintilantes ou com cânticos de pastores famosos, ou ainda me provocando com mensagens políticas partidárias omnívoras e extenuantes.

                Em termos de alimentação retirarei de uma vez por todas as massas, as frituras, o sal e o açúcar e afastarei pra bem longe o cálice – ou será tulipa ou caneca? – daquela cerveja estupidamente gelada ou do vinho dito e benzido do padre da paróquia. Inundarei meu prato com saladas cruas e aumentarei Meu Nano Viveiro com mais plantas de Physális, o nosso camapu, sorvendo seus frutos maduros várias vezes ao dia.

                Não me estressarei todas as vezes que o sistema de informática do hospital sair do ar quando eu estiver sentado na sala de espera aguardando consulta. Ficarei sim atento para a tela de chamada da TV e anotarei os nomes extravagantes, porém, próprios que aparecerem e com eles procurarei um motivo ou razão para sorrir sempre respeitando o direito de imagem. Não ficarei fulo da vida ao ver o jovem furar a fila do preferencial no banco ou no supermercado, nem o pseudocadeirante/idoso ocupar inapropriadamente a vaga destinada ao público preferencial em estacionamentos.

               Finalmente e derradeiramente, curtirei adoidado minha família, com ela compartilhando tudo e todas as experiências acumuladas em minha vida e outras que hão de vir, sempre ao vivo, sorridente e com cores fortes e marcantes.

                Quem sabe assim, um dia, ultrapassarei a barreira do som do IBGE que estima a expectativa de minha vida em 76 “anos lúcidos”! Eu só tenho mais oito anos pra fazer isto!

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Publicado em 16 de maio de 2019 em WEBARTIGOS



terça-feira, 7 de setembro de 2021

Um colega amigão!

 

Dedico ao meu colega e amigo

engenheiro florestal, professor Juris Jankauskis.


                Quase sempre passo por lá quando retorno das tricicladas. Na última vez, dia 15 de setembro, parei em frente e fotografei a entrada da alameda Ana Laura, localizada na trav. Lomas Valentinas, entre a av. Duque de Caxias e av. Visconde de Inhaúma, Belém, Pará. Em uma das casas dessa alameda, que morou um colega de trabalho, o Juris Jankauskis e família. A década era a de 1980!

                Mas não foi apenas mais um colega e sim um grande amigo, daqueles em que o poeta ensina a gente a “guardar dentro do peito”. Eu agrônomo, ele engenheiro florestal. Eu, docente do Departamento de Fitotecnia da Faculdade de Ciências Agrárias do Pará, FCAP, hoje Universidade Federal Rural da Amazônia, UFRA e ele docente do Departamento de Engenharia Florestal da mesma instituição. Ficamos amigos. Eu ocupava uma sala do prédio da Horta/Fruticultura e ele uma sala do Departamento Florestal, logo em frente. Quase todas os fins de tarde, ao encerrar o expediente, íamos papear em um pequeno e singelo bar de calçada, localizado na então av. Primeiro de Dezembro, hoje chamada de av. João Paulo II, esquina da trav. Pirajá. Era o Copa 70. Ocupávamos quase sempre uma mesa na beira da calçada cuja vista se projetava para a avenida. O papo era regado à cerveja. Ele gostava de tomar a cerveja acompanhado com uma dose de “Tatá”, carinhoso apelido que ele dava à aguardente Tatuzinho. E o papo rolava… Certa feita escutei ele falar em um tom um pouco mais alto e alegre:

                – É dessa balbúrdia que eu gosto! – E apontava para o cenário da rua, em que pedestres andavam pelos meios-fios, atravessavam a avenida onde lhes dava na telha e o trânsito se caotizava entre ônibus apressados, carros buzinentos, motocicletas barulhentas, e bicicletas quase mudas, carroças movidas a cavalos e burros e cães vira-latas, tudo isso junto com resíduos de consumo humano, que se espalhavam no ambiente, pelo vento e pela chuva…

                – Onde morei, a coisa é tudo muito certinha! – Sentenciava ele. Ele tinha vindo de Curitiba, Paraná.

                Aos domingos frequentávamos juntos um clube, o Caixa Parah. E aqui era o encontro completo com nossas famílias. Passávamos boas horas papeando, tomando banho de piscina e comendo iguarias.

                Certa feita, me convidou para juntos viajarmos até a Estação Florestal Experimental de Curuaúna onde ele coordenava projetos de manejo florestal, etc. Esta estação pertencia à Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, SUDAM e localizava-se na margem do rio Curuá, no município paraense de Prainha. A logística que usávamos para nela chegar, envolvia voo de Belém até Santarém; De Santarém até a estação, de barco voadeira, singrando a ponta do rio Tapajós, o rio Amazonas e finalmente o rio Curuá. Fazíamos isso quase mensalmente. Impreterivelmente, aos chegarmos em Santarém, alojávamo-nos em um hotel na orla da cidade e impreterivelmente íamos almoçar numa peixaria, Miguel do Jaraqui. Isto tornou-se quase um ritual! Na estação nos alojávamos na sede antiga, situada em um platô mais elevado da beira do rio, em uma ampla casa de madeira, embora, bem próximo, a poucos metros dessa, mais perto da margem do rio, tivesse uma casa nova, mais confortável, porém, suas paredes foram construídas com uma madeira nativa chamada de louro-bosta. Não preciso dizer mais nada, né?! Em uma dessas viagens à estação aprontamos uma com um colega novato, o Albenízio. A boate da estação. Mas isto será alvo de outro texto.

                Estes foram alguns dos episódios que compartilhamos em nossa amizade sincera e feliz. Hoje, ele mora com sua querida família, bem distante daqui, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

                Compartilho estas lembranças em homenagem a este cara, que um dia cruzou em minha vida e pelo qual posso afirmar que valeu a pena ter vivido por ter conhecido e convivido com o Juris Jankauskis!

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Publicado em 20 de setembro de 2018 em WEBARTIGOS

Divulgação do Livro Amazônia: Do Quase Paraíso Verde ao Provável Deserto Vermelho e Cinza

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