quarta-feira, 1 de setembro de 2021

O suicídio da galinha que “pensava” ser uma pata

 

                No meu quintal, que apelidei de Meu Nano Universo, crio patos e galinhas Vivem por lá também um jabuti, chamado Porolóco, um coelhinho, de nome Cenourinha, além de alguns intrusos – e que intrusos! –, como ratos e mucuras. Outros, o visitam frequentemente como japus e muitos passarinhos. Nele existem também uma copa de mangueira rosa da vizinha e alguns pés de banana, manga, cacau, tucumã do Amazonas, nins e algumas outras árvores como uma frondosa paineira.

                Recentemente, uma galinha ficou choca e decidiu tomar conta de alguns ovos que sua vizinha, a pata, vinha colocando no ninho ao lado… Totalizavam 10 ovos, quando a pata começou o chocá-los. Como a galinha choca persistia em querê-los para si a tarefa, decidi reparti-los igualmente: 5 ficaram com a pata e 5 com a galinha… No decorrer do período de gestação, ou melhor, incubação, a galinha dava um jeito de puxar para baixo de si, os 5 ovos da pata… Foi preciso eu fazer uma parede, separando os dois ninhos… A incubação chegou ao final, não antes, de um dos 10 ovos terem sido surrupiados ou por um rato ou por uma esperta mucura... Portanto, nasceram 9 patinhos, 5 com a pata e 4 com a galinha.

No seu primeiro dia de vida, a prole dos patinhos nascidos sob a pata saíram do ninho e começaram a explorar o terreiro. Os 4 patinhos da galinha, porém, ficaram com ela dentro do ninho, sob o calor e cuidados da mãe. Dia seguinte, resolvi interferir e toquei os patinhos da galinha do ninho, que os levou para o terreiro. Imediatamente, os 9 patinhos se reuniram em um bando só, sob dois comandos: o da pata e o da galinha. A galinha cacarejava, bicando e ciscando o chão com as suas patas, como se chamasse os patinhos adotados como filhos. A pata, próxima, cercada dos 9 patinhos, grasnava impávida, como se “soubesse” que os filhos eram dela e não da galinha… Mesmo assim, alguns patinhos atendiam ao chamado da galinha e corriam para perto dela… Viveram assim por vários dias, agora confinados em um viveiro dedicado a eles, com fornecimento de comida adequada e suprimento de água permanente. E sem a perturbação dos patos e patas adultos do terreiro.

                Na terceira semana de vida, mais um ataque noturno aconteceu entre a prole dos patinhos! Um deles sumiu! – Teria sido caçado por um rato, uma mucura? Ninguém sabe, ninguém viu… Nessa mesma semana, encontrei um dos patinhos engatado e morto numa tela que separava o viveiro do terreiro… Devidos os tristes fatos acima, tomei uma decisão radical: Vou acabar com a prole dos patinhos! Vendi-os. – Melhor dar-lhes uma chance de vida, do que vê-los sendo devorados soturnamente durante as noites…

                Dia seguinte ao da partida dos patinhos, vi a galinha, estranhamente empoleirada na beira do tanque de banho dos patos do terreiro. Achei estranho. Nunca tinha visto a galinha escalando aquela posição… – Será que ela estava com muita sede? Não dei bola e fui embora.

                No outro dia, aproximadamente na mesma hora, que corresponde ao rotineiro trabalho de distribuir milho e trocar a água do bebedouro, procurei pela galinha por todo o terreiro e não à encontrei. Fui até o tanque de banho dos patos e a cena que vi me espantou e impressionou profundamente: Boiando na água, lá estava a galinha! Morta, mortinha da silva! 

Tirei o seu corpo da água e o examinei cuidadosamente. Não vi nenhuma marca de ataque de bicho, ferida ou outro sinal que indicasse a causa mortis… Comecei a conjecturar os possíveis motivos, as causas deste infortúnio. Sem nenhum argumento científico plausível, levantei a hipótese de suicídio! A galinha sentiu profundamente a ausência dos filhos postiços. Quando à vi na beira do tanque, ela na verdade estava procurando por eles… Como não suportou suas ausências, preferiu dar cabo de sua vida, jogando-se na água como uma pata que não era e morrendo afogada!

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Publicado em 18 de junho de 2016 em WEBARTIGOS

terça-feira, 31 de agosto de 2021

Em 1964!

 

            Em 1964 eu tinha 13 anos. Morava com meus pais e um irmão mais velho, em uma casa simples, na rua Veiga Cabral, quase esquina da TravessaÂngelo Custódio, bairro da Cidade Velha em Belém, Pará. Meu pai, capitão dentista do Exército e minha mãe costureira. Tínhamos uma vida também simples, porém, digna.

            De vez em quando, a rotina era quebrada com alguns fatos que presenciava no quarteirão e mais precisamente na casa ao lado, que fazia esquina com a travessa. Carrões apelidados “rabos de peixe”, zerados, estacionavam ao lado de casa. Eram tantos que enfileirados quase chegavam à esquina da av. 16 de novembro, um quarteirão adiante! No mês de junho, nas festividades juninas, me impressionavam os fogos de artifícios que iluminavam as noites, soltados pelo vizinho da esquina. Eram instalados no chão da rua, bem no cruzamento da Veiga Cabral com a Ângelo Custódio. Um chafariz de luzes coloridas, um vulcão, o que era aquilo? Também soltavam bombas que faziam tremer tudo... Enquanto assistia aquele verdadeiro show pirotécnico das crianças do vizinho, eu e meu irmão, contentava-nos em soltar algumas “estrelinhas” seguras nas pontas dos dedos...De vez em quando uns “estalinhos”… Nada de bombas ou bombinhas. (Só umas “bombinhas” que escondido de meus pais, aprendi à fazer com uma chave de fechadura de porta, um prego, barbante e algumas cabeças de fósforos…Ou ainda, umas bombas mais poderosas feitas com pólvora tirada de outras bombinhas, misturadas com alguns grãos de seixo e embrulhadas em um pedaço de papel, bem amarrado com barbante. Para dispará-las, subia no muro da vizinha em frente e com um paralelepípedo de rua nas mãos, lançava-o sobre a pequena trouxa colocada estrategicamente no chão, próximo do muro e vinha o estrondo…)

            No fim do ano, no Natal, os filhos do vizinho ganhavam carrinhos movidos a pilha, que apitavam, movimentavam-se freneticamente guiados pelos pequenos. Eu e meu irmão ficávamos felizes com os pequenos carrinhos de plásticos que nossos pais nos presenteavam, ou outros brinquedos singelos que íamos pegar no Quartel General do Exército, em frente à Praça da Bandeira, na festa de Natal…

            Quando veio a Revolução (ou Golpe) de Março, meu pai foi convocado para ficar aquartelado em prontidão. Lembro-me dele vestindo a farda e tirando um enorme revólver, que ficava guardado escondido no guarda-roupa do quarto dele.

            Lembro-me nesse instante, que o vizinho da esquina, aquele que dava brinquedos super avançados, que soltava super fogos, e que, digamos, parqueava os carros “rabos de peixe” supermodernos, chegou pro meu pai e pediu, agoniado, quase chorando, que “não dedurasse” ele… Fiquei sem entender muito bem o que significava aquilo.

            Quando meu pai fazia pequenos consertos domésticos em casa, quem o acompanhava e o ajudava, quase sempre era eu. Numa dessas ocasiões, ao subir com ele no forro de casa para consertar algumas goteiras do telhado, vi que o telhado das duas casas, a do meu pai e a do vizinho da esquina eram um só. Não tinha parede separando os dois telhados. Sobre o forro, vi caixas de uísque, tapetes (persas?!) e muitos outros objetos, cuidadosamente guardados pelo nosso vizinho. Entendi então o motivo da súplica do vizinho, dos carros “rabos de peixe”, dos fogos juninos e dos brinquedos de Natal…Ele era um “contrabandista”!

            Políticos de então, davam verdadeiros bacanais em uma casa localizada na beira da estrada Belém – Brasília, na altura da hoje Marituba. A casa ficou famosa pelo desenho que imitava um navio… Era a Casa-Navio!

            Na capital, um outro grande contrabandista de então, inaugurava uma das primeiras lojas de magazines: A RM Magazine. Av. Presidente Vargas com a Travessa Riachuelo. Hoje, seus descendentes, são donos de uma grande organização de comunicação.

            Com a Revolução (ou Golpe) o Pará, especialmente Belém, deu um salto enorme em desenvolvimento. Dominada que era por “contrabandistas” e políticos inescrupulosos a capital, enfim, todo o estado, era isolado do resto do país. Para se deslocar só via aérea e pelas águas.  A estrada Belém – Brasília aberta anos antes, quase todos os meses do ano intransitável, foi finalmente asfaltada. As comunicações deram um salto formidável com a criação da EMBRATEL. As principais ruas e avenidas do centro de Belém, antes de terra ou revestidas de paralelepípedos receberam asfalto. Obras inacabadas e abandonadas foram transformadas em colégios como o Augusto Meira que ocupou um prédio que deveria ter sido uma maternidade, na capital, Belém. A Universidade Federal doPará, UFPa, finalmente foi integrada em um campus à beira do rio Guamá, em Belém, e a Escola de Agronomia da Amazônia, EAA, que tinha apenas um curso, o de Agronomia, foi transformada em Faculdade de Ciências Agrárias do Pará, FCAP, com a criação e funcionamento de novos cursos como o de Engenharia Florestal, Medicina Veterinária e Engenharia de Pesca. Repartições estatais foram transformadas em empresas como o Serviço de Navegação naAmazônia e Administração do Porto do Pará, SNAPP, em Empresa deNavegação da Amazônia, ENASA, o Serviço de Proteção ao Índio,SPI, em Fundação Nacional do Índio, FUNAI. Outras como a Estradade Ferro Belém – Bragança foram simplesmente extintas... Foi criado o Projeto Rondon, um programa de extensão universitária que promoveu o intercâmbio entre os jovens universitários de todo o Brasil, ao mesmo tempo em que proporcionou que esses jovens tomassem conhecimento da realidade brasileira, extramuros das academias.

            A Revolução (ou Golpe) tinha chegado ao norte e Jarbas Passarinho (governador) e Alacid Nunes (prefeito de Belém), foram os dois militares que encararam a missão de recolocar o estado do Pará e a cidade de Belém na linha do desenvolvimento e acabar com a corrupção impregnada nos governos e políticos de então. Se conseguiram, só a história dirá, mas certamente tentaram e mudaram muito para melhor…

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Publicado em 08 de junho de 2016 em WEBARTIGOS

Cadeiras na calçada

 

                Houve um tempo em Belém, Pará, que a vida acontecia nas calçadas. As colunas sociais dos jornais diários ainda não existiam, ou tinham circulação restrita. As calçadas eram os veículos de circulação e propagação das notas sociais e efemérides da urbe.

                Com a precisão de um relógio suíço, as cadeiras tomavam conta das portas das casas de uma Belém provinciana, diziam uns, de uma pequena capital, diziam outros. Mas lá estavam elas. Não as cadeiras brancas de PVC como as de hoje, mas aquelas enormes e pesadas cadeiras de madeira de lei e outras até que nem tanto, de vime e madeira-branca ou bambu. Tinham também aquelas mais modernas feitas em hastes de ferro cujos encostos e assentos de fios plásticos coloridos! Uma novidade para a época!

– D. Zinha, veja quem vem lá! O “Zeca da Rosca”! – Falava uma.

– Ô comadre, tu sabes que a mulher dele tá doente das cadeiras?

– Num diz, mana. Ontem mesmo eu falei com ela na barraca da Mundica, lá no Ver-o-Peso!

E o papo ia acontecendo. Apelidos eram dados, os personagens eram analisados e a cidade vivia com muita chuva e com muito calor, como sempre.

                Cinco, seis, até dez cadeiras formavam um grande círculo na calçada. Quando esta não existia usava-se o leito da rua, que era a mesma coisa. Poucos veículos circulavam.

A molecada saia. Tomados banhos, roupas limpas e lá iam eles jogam petecas, ferrinho, pião ou outra qualquer brincadeira da época.

– Tu não achas esse cara parecido com um baiacu? – Rosnava a comadre mais velha, balançando a sua cadeira de embalo.

– Rá, rá, rá! Eras. Parece mesmo! – Respondia a D. Fonça.

E o fulano recebia o apelido que iria acompanhá-lo pelo resto de seus dias!

Mas a cidade foi crescendo. Chegaram as estações de televisão, o asfalto na rua, os carros velozes, os ônibus.

                A cidade se recolheu nas suas salas. As cadeiras não saíram mais. Os apelidos transformaram-se em títulos de novelas. Em vez dos diálogos com os vizinhos, comadres e compadres, a telinha respondia com brilhos e sons às indagações.

– Quem matou o sinhorzinho Malta?

– Quem colocou veneno na xícara da Sr. ª Astrud Vandenberg?

E assim por diante.

Instalou-se a solidão compartilhada por todos.

A TV passou a ser o mais novo e importante membro da família, para o qual todos prestavam reverência. E ái dela, se escangalhasse!!!

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Publicado em 24 de novembro de 2013 em WEBARTIGOS

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

O Fantasma do telefone

 

– Triiim – Êpa!

– Triiim – triiim. – Pulo da cadeira…

– Triiim, triiim, triiim, triiim – Tomo o telefone sem fio descansado, colocando-o ao pé do ouvido. Aguardo. Uma voz do outro lado avisa: “No momento, não posso atender. Após o sinal, deixe o seu nome, telefone e recado.” Espero. Ninguém reponde à voz gravada. Aguardo mais um pouco. Nada. Sinal de ocupado. Descanso o telefone ao meu lado. Corro pra cozinha onde está o outro telefone – um velho Ericsson do Brasil, de disco.

– Triiim, triiim, triiim, triiim, triiim, triiim, triiim. Êpa! De novo!? Desta vez deixei dar os sete apitos da campainha do aparelho da cozinha. Rapidamente, retorno ao sem fio ao ouvido. A mensagem se repete… Dou um grito! Chamo um palavrão daqueles! Ofendo a mãe do provável ouvinte da outra ponta do fio… Nada. Ninguém responde. O sem fio descansa de novo. Vou dormir.

– Triiim, triiim, triiim. Com um movimento rápido como se fosse um mocinho do faroeste americano, saco o revólver, ou melhor, o telefone sem fio que dormia ao meu lado.

– “Pliiim! Seis horas, trinta minutos e quarenta e cinco segundos”. Confiro no relógio de pulso. Aguardo. Ninguém fala. Dá o sinal de ocupado. Retorno o sem fio e me levanto. Acabo de ser despertado pela hora certa que não disquei, nem programei.

 No meio da manhã resolvo consultar a operadora telefônica.

– Você acredita em fantasma? – Pergunto à telefonista chamada Glória. Ela não responde. Continuo: -- Pois bem, ontem à noite aconteceu!

– Aconteceu o quê, senhor?

– Apareceu um fantasma em minha linha! – Respondi com a cara parecendo um verdadeiro idiota.

Contei o caso e arrematando disse: – A coisa se repetiu e em nenhuma delas eu estava usando o meu telefone! Nem tentando discar telepaticamente, brinquei.

– Seu nome, número e endereço – falou ela, teclando as minhas informações.

– Não se preocupe. Dentro de vinte e quatro horas o seu problema será investigado. Desliguei.

Nesta noite o fenômeno se repetiu. Tentei decodificar os triiins: Algarismo 1 – trim. Algarismo 2 – triiim, triiim. Algarismo 3 – triiim, triiim, triiim. E assim por diante. O zero era o mais longo deles… A campainha do velho Ericsson repetia os movimentos da mão do fantasma.

– Aconteceu de novo ontem à noite – falei pra telefonista, agora chamada Tânia.

– Meu senhor faça o seguinte: Ligue pra este número 3233-**** (as estrelinhas são minhas, pelo motivo óbvio que a ficção não explica).

– Brigado. – Desliguei.

– Alô. É do 3233-****?

– É.

– O que se trata?

– Tu acreditas em fantasma?

– Rarará!

– É o seguinte: Blá, blá, blá, blá, blá…

– Aguarde.

– …

– Não deu nada…

–?

– Meu senhor. Ligue pra nós quando estiver acontecendo o fato.

– Este telefone atende à noite?

– Não senhor. Só no horário comercial.

– Mas como…

Vamos mandar um funcionário rastrear desde a caixa do seu prédio até a central.

– Humm.

– Té logo.

– Té – Desliguei.

Às vinte e uma horas e cinquenta e três minutos dessa noite o fantasma voltou a atacar.

– Rastreamos toda a linha. Trocamos um transistor. Nada. Não detectamos absolutamente nada.

– E ai? Ontem o número que o fantasma discou era de aparelho celular. Quem vai pagar? Serei eu?

– Não se preocupe. Isto não acontecerá.

– E qual é a solução?

–  É por causa do telefone sem fio! É ele o fantasma!

– Mas como? A tecla “talk” têm que ser acionada. E em todas as vezes que o fenômeno “paratele” acontece, eu não estava usando o aparelho!

– É…

–??? – Desliguei.

O fantasma continua a frequentar o meu aparelho. E pior, apareceu em minha conta telefônica mensal…

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Publicado em 21 de novembro de 2013 em WEBARTIGOS



Carta ao Gallo

 

Saudoso Giovanni Gallo,

                Tinhas razão: As águas ditam o Marajó. Eu, porém, vos acrescento: – E a poeira, no verão dita a cidade! No verão, aqui na cidade de Soure, aonde vim experimentar as tuas teorias e hipóteses existenciais, a poeira, ou melhor, o talco vindo dos campos marajoaras cobre o chão calçado ou não, os móveis velhos ou novos, as paredes e o teu corpo de uma fina película de pó. Como se fossemos um bebê e a mamãe Natureza nos passasse aquele talquinho cheiroso, mas incômodo…

A tua Cachoeira do Arari continua a mesma, ou mais precisamente, quase a mesma. Para nela chegar ainda usamos a estrada de água no barco da prefeitura ou a estrada (PA 154) que nunca acaba, embora, em relatórios oficiais, provavelmente, uma espessa camada de asfalto a transformou em rodovia de primeira.

O que tem de novo é o cultivo de arroz nos campos alagáveis de Cachoeira. Um dos agricultores expulsos de Roraima, de dentro da reserva indígena Raposa Serra do Sol comprou diversas fazendas e implantou o cultivo mecanizado do arroz. Desde uso de avião para pulverização aérea até colhedeiras de última geração são usadas. Diz que a primeira produção foi distribuída para a população da cidade!

Esse fato me fez lembrar outro acontecido em uma mesa de bar quando eu perambulava por Cachoeira: O técnico da EMATER – Empresa deAssistência Técnica Rural, me respondeu por que não se cultivava nos campos do município: – Que tinha sido feito um experimento com autorização do dono da terra e a produção de arroz – eu escrevi ARROZ! – foi altíssima! Ai, quando foi para se cultivar pra valer, o fazendeiro dono da terra disse NÃO!

                O teu querido “O Museu d’O Marajó”– como gostavas de grafar o seu nome – continua de pé. Confesso-te que a última imagem que tenho dele foi no dia de teu enterro. A penúltima foi ainda dentro do barco que me levava para o teu féretro. Eu tomava um vinho em tua homenagem, sentado no chão do convés e depois de uns goles, eu profetizei terroristicamente: – Se eu fosse doido mesmo, eu pegaria um galão de gasolina, espalhava pelos quatro cantos do museu e tocava fogo!  O dia da tua morte, pra mim, corresponderia ao início da contagem regressiva da morte d’O Museu! De lá pra cá deixei de ir à Cachoeira. As notícias que tenho de lá são as de sempre: Falta de apoio, falta de recursos financeiros, brigas e intrigas das mais diversas origens e motivos.

                Despeço-me, fazendo mais uma confissão: Os cacos de cerâmica que recolhestes em tua passagem pelo Marajó, não são cacos. São na verdade, testemunhos de uma civilização inteligente esquecida no tempo! As gerações atuais, talvez, drogadas pela imposição de uma cultura, costume e comportamento alienígenas que lhes chegam pelos “modernos meios de comunicação e mídias” são os verdadeiros cacos. Não te deram ouvidos. Não valorizaram o teu trabalho de formiguinha. O futuro vislumbrado pelas teorias científicas atuais será a inundação de todo o arquipélago provocado pelo discutido e polêmico aquecimento global! E ai, quem sabe, um ET chamado Giovanni Gallo, ressurgirá e recolherá novamente cacos enlameados que encontrar ou a eles chegar, trazidos pelos zumbizinhos marajoaras!

A guisa de informação ou para saber mais: Giovanni Gallo era italiano, padre jesuíta, que optou pela catequese no Terceiro Mundo, indo parar na cidade de Santa Cruz do Arari, centro do Arquipélago do Marajó, Pará, Brasil. Lá, com a ajuda da comunidade criou O Museu do Marajó. Para não matar ou não ser morto pelos seus adversários – leia-se o prefeito da época – como ele próprio escreveu, abdicou da batina, mas não da fé. E transferiu O Museu para a cidade de Cachoeira do Arari, cidadezinha localizada também no rio Arari, não muito distante  e diferente de Santa Cruz. Deixou de ser padre jesuíta, porém, continuou o seu trabalho evangelizador da memória, da cultura, da ciência e do comportamento desse mundo chamado Marajó! Giovanni Gallo faleceu em Belém, no dia 07 de março de 2003, por complicações advindas de um atropelamento por bicicleta, ocorrido na cidade de Cachoeira do Arari, Pará.

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Publicado em 24 de outubro de 2013 em WEBARTIGOS

domingo, 29 de agosto de 2021

O dono de casa

 

                Beirando os 46, eis que experimento as tarefas do dia a dia de uma casa. Sinto a monotonia, a rotina, como os movimentos dos ponteiros de um velho relógio esquecido em uma parede.

                Acordar e fazer o café. Antes, porém, lavar a louça deixada descansando na pia. Sair. Voltar e procurar o almoço. Decidir sobras de ontem ou um novo prato? Adiante acender o fogão. Arrumar a mesa. Sentar e comer. Jogar de novo as louças, pratos e talheres dentro da pia. “– Devo ter uma lavadora automática de louças?” – penso com as mãos molhadas e a barriga também.

                Os dias passam. A semana chega ao fim. Devo lavar as roupas sujas, acumuladas embaixo da pia do banheiro. “– Preciso ter uma lavadora automática de roupas!” – penso agora. O chão do apartamento está sujo. São pequenas penugens soltas dos corpos dos periquitos da sacada, misturadas com alguma poeira e grãos de terra trazidos da rua. A sala está desarrumada. Os jornais diários se espalham pela mesa, pelo banheiro, pelo quarto e sei lá por onde mais.

                Não tenho paciência para os trabalhos de culinária. Gostaria muito que tudo fosse desidratado, empacotado a vácuo. Depois de acrescentado água e se necessário, aquecido e pronto. Comida de astronauta, quem sabe. Seria muito bom – “cômodo” – queria dizer!

                Lavar louças até que vai, porém, quando decido fazer isso, lavo também o chão, a parede,  a barriga e tudo o mais em um raio de um metro pelo menos. Com as roupas também é assim. O sabão em pó me ajuda. Não esfrego nem torço. Só deixo descansar por algumas horas ou dias… e tiro da água ensaboada com muita água e pronto, estendo na corda. Ainda não sei como vou passá-las. Isto, ainda não experimentei.

                Fazer comida, como disse, não é comigo. É comigo preparar uma panela de arroz branco e insosso ou salgado demais, sem nenhum outro tempero. É fritar ovos, deixando o fogão e adjacências sujas de óleo e frituras, por mais que o exaustor seja ligado. O que eu gosto mesmo é fazer churrasco. Mas churrasco de apartamento é sem carvão e sem fumaça…

                A churrasqueira é uma panela rasa, com uma grelha, onde o calor entra e assa a carne. Mas a defumação com a fumaça do carvão não existe neste processo, portanto, o churrasco é diferente e sem graça.

                Diante de tudo isso, sou obrigado a reconhecer que a minha praia não é exatamente a rotina de uma casa. Não sou disciplinado o bastante nem consigo economizar tempo nessas tarefas. Só me resta o consolo de esperar minha empregada doméstica voltar de suas férias…

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Publicado em 20 de setembro de 2013 em WEBARTIGOS

Folia no Museu Goeldi

 

Esta história baseia-se em fatos, para mim contados, pelo saudoso e querido

Dr. José Carlos Félix de Oliveira, advogado – pra mim simplesmente Dr. Félix,

morador nas cercanias do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, Pará,

que me ensinou a evolução dos peixes de pele (sem escamas),

e, na década de 1990 salvou minha pele

da perseguição política da faculdade onde eu trabalhava.

Meu eterno reconhecimento!

              

              – A gente vai ter só quinze segundos para atravessar para o outro lado – sentenciou cronometricamente o pequeno Marco Chafariz.

              – Quantos poraquês têm no lago? – Indagou completamente por fora o Toninho Tonto.

               – Rapaz. São vários. Não tenho a menor ideia de quantos. Uns dezoito, mais ou menos – conjecturou Marco Chafariz.

                O grupo era formado por cinco rapazes. Moleques com a idade média de 13 anos. Estavam reunidos à sombra de um pé de Guajará, a árvore mais antiga, localizada em frente da jaula das onças.

               – Reparem que tem aqueles cipós descendo até o chão…

               – É a “escada-de-jabuti” – informou o esperto Zé do Açaí.

               – Vamos ter que subir por eles?

               – Não, não é nada disso. Quem “sobe” nele só é o jabuti… Corrigiu Marco Chafariz.

               – Bem do lado dele, existem aqueles cipós que são verdadeiras cordas. São aqueles ali – mostrou apontando com o dedo.

              – A gente pode usá-los para passar do lago para a ilha. Da ilha para o outro lado será com as nossas pernas… Apareceu finalmente a opinião do Pedro Mucura.

              – Mas é exatamente lá que os poraquês costumam descansar depois da comida… – disse preocupado o Zé do Açaí

                A reunião vez por outra era interrompida pelos urros da onça-pintada, que mesmo enjaulada, fazia arrepiar os cabelos dos rapazes. Imediatamente se calavam, como se assim o felino parasse de emitir o seu esturro gutural.

                – Se um, apenas um, daqueles peixes elétricos encostar-se na perna de um de nós, será um choque de mais de seiscentos volts! – sentenciou Argemiro, o que se dizia especialista em peixes produtores de energia elétrica.

                – Todos já entenderam a missão? – perguntou Marco Chafariz.

                – Entendi sim. – Disse Toninho Tonto, quase ao mesmo tempo que o Zé do Açaí, o Pedro Mucura e o Argemiro.

                A chuva das duas horas da tarde tinha começado e fez com que a reunião, que estava para findar, ser transferida para o pátio da Rocinha. E pra lá foram.

                – Tem um detalhe. Todos devem pular o muro sem serem vistos pelo Mundó. Ele está uma fera com a gente, desde a última que aprontamos com o macaco punheteiro… – retomou o diálogo o Zé do Açaí.

                – Não se preocupem com isso. Eu sei como despistá-lo. Vou pedir pra Mariquinha Irerê levar um pão doce com refresco de cupuaçu pra ele, lá no portão de entrada. Fico na guarda na esquina. Quando ela chamar por ele, a gente se prepara. Ok? – arrematou confiante Argemiro.

                – Então, tá fechado. Amanhã, quer chova, quer faça sol, às nove da manhã a gente se encontra na esquina da Alcindo com a Independência. Dispersaram-se.

                No outro dia, lá estavam os cinco rapazes moleques – ou seriam moleques rapazes?

Argemiro levava um pão doce embrulhado em papel-manteiga. O refresco era da Mariquinha, que fazia ponto no portão de entrada, vendendo raspa-raspa.

                – Ei Mundó! Vem cá! Tenho uma merenda pra ti – chamou Mariquinha Irerê.

                Mundó que catava umas frutas de taperebá pelo chão se dirigiu até a prestativa Mariquinha.

                – Vamos pessoal! – gritou Toninho Tonto.

                – Ahhhhôôô… ahhhhôôô… – o grito do Tarzan, ou melhor, de cinco Tarzans ecoou no ar do Museu. A bicharada se alvoroçou. A cutia dourada ficou imóvel e depois desembalou pela trilha. O macaco guariba preta interrompeu a acrobacia que fazia no alto da Castanheira. A arara-canindé pôs-se a taramelar. O jacaré-açu, que pegava sol, mergulhou rapidamente n’água. O bando de tartarugas-da-amazônia e tracajás-do-Rio-Negro acompanharam, por sua vez, seus inimigos naturais no banho fora de hora. Momentos depois, a tarefa estava cumprida. O grupo de rapazes moleques se espalhou pela vegetação densa do parque. Mais uma folia no Museu Goeldi.

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Publicado em 04 de setembro de 2013 em WEBARTIGOS

Divulgação do Livro Amazônia: Do Quase Paraíso Verde ao Provável Deserto Vermelho e Cinza

  Olá! Peço que divulguem em suas redes sociais e de algodão... PARA CONHECER MAIS, ACESSE E LEIA:  Onde está publicado e disponível também ...