terça-feira, 31 de agosto de 2021

Em 1964!

 

            Em 1964 eu tinha 13 anos. Morava com meus pais e um irmão mais velho, em uma casa simples, na rua Veiga Cabral, quase esquina da TravessaÂngelo Custódio, bairro da Cidade Velha em Belém, Pará. Meu pai, capitão dentista do Exército e minha mãe costureira. Tínhamos uma vida também simples, porém, digna.

            De vez em quando, a rotina era quebrada com alguns fatos que presenciava no quarteirão e mais precisamente na casa ao lado, que fazia esquina com a travessa. Carrões apelidados “rabos de peixe”, zerados, estacionavam ao lado de casa. Eram tantos que enfileirados quase chegavam à esquina da av. 16 de novembro, um quarteirão adiante! No mês de junho, nas festividades juninas, me impressionavam os fogos de artifícios que iluminavam as noites, soltados pelo vizinho da esquina. Eram instalados no chão da rua, bem no cruzamento da Veiga Cabral com a Ângelo Custódio. Um chafariz de luzes coloridas, um vulcão, o que era aquilo? Também soltavam bombas que faziam tremer tudo... Enquanto assistia aquele verdadeiro show pirotécnico das crianças do vizinho, eu e meu irmão, contentava-nos em soltar algumas “estrelinhas” seguras nas pontas dos dedos...De vez em quando uns “estalinhos”… Nada de bombas ou bombinhas. (Só umas “bombinhas” que escondido de meus pais, aprendi à fazer com uma chave de fechadura de porta, um prego, barbante e algumas cabeças de fósforos…Ou ainda, umas bombas mais poderosas feitas com pólvora tirada de outras bombinhas, misturadas com alguns grãos de seixo e embrulhadas em um pedaço de papel, bem amarrado com barbante. Para dispará-las, subia no muro da vizinha em frente e com um paralelepípedo de rua nas mãos, lançava-o sobre a pequena trouxa colocada estrategicamente no chão, próximo do muro e vinha o estrondo…)

            No fim do ano, no Natal, os filhos do vizinho ganhavam carrinhos movidos a pilha, que apitavam, movimentavam-se freneticamente guiados pelos pequenos. Eu e meu irmão ficávamos felizes com os pequenos carrinhos de plásticos que nossos pais nos presenteavam, ou outros brinquedos singelos que íamos pegar no Quartel General do Exército, em frente à Praça da Bandeira, na festa de Natal…

            Quando veio a Revolução (ou Golpe) de Março, meu pai foi convocado para ficar aquartelado em prontidão. Lembro-me dele vestindo a farda e tirando um enorme revólver, que ficava guardado escondido no guarda-roupa do quarto dele.

            Lembro-me nesse instante, que o vizinho da esquina, aquele que dava brinquedos super avançados, que soltava super fogos, e que, digamos, parqueava os carros “rabos de peixe” supermodernos, chegou pro meu pai e pediu, agoniado, quase chorando, que “não dedurasse” ele… Fiquei sem entender muito bem o que significava aquilo.

            Quando meu pai fazia pequenos consertos domésticos em casa, quem o acompanhava e o ajudava, quase sempre era eu. Numa dessas ocasiões, ao subir com ele no forro de casa para consertar algumas goteiras do telhado, vi que o telhado das duas casas, a do meu pai e a do vizinho da esquina eram um só. Não tinha parede separando os dois telhados. Sobre o forro, vi caixas de uísque, tapetes (persas?!) e muitos outros objetos, cuidadosamente guardados pelo nosso vizinho. Entendi então o motivo da súplica do vizinho, dos carros “rabos de peixe”, dos fogos juninos e dos brinquedos de Natal…Ele era um “contrabandista”!

            Políticos de então, davam verdadeiros bacanais em uma casa localizada na beira da estrada Belém – Brasília, na altura da hoje Marituba. A casa ficou famosa pelo desenho que imitava um navio… Era a Casa-Navio!

            Na capital, um outro grande contrabandista de então, inaugurava uma das primeiras lojas de magazines: A RM Magazine. Av. Presidente Vargas com a Travessa Riachuelo. Hoje, seus descendentes, são donos de uma grande organização de comunicação.

            Com a Revolução (ou Golpe) o Pará, especialmente Belém, deu um salto enorme em desenvolvimento. Dominada que era por “contrabandistas” e políticos inescrupulosos a capital, enfim, todo o estado, era isolado do resto do país. Para se deslocar só via aérea e pelas águas.  A estrada Belém – Brasília aberta anos antes, quase todos os meses do ano intransitável, foi finalmente asfaltada. As comunicações deram um salto formidável com a criação da EMBRATEL. As principais ruas e avenidas do centro de Belém, antes de terra ou revestidas de paralelepípedos receberam asfalto. Obras inacabadas e abandonadas foram transformadas em colégios como o Augusto Meira que ocupou um prédio que deveria ter sido uma maternidade, na capital, Belém. A Universidade Federal doPará, UFPa, finalmente foi integrada em um campus à beira do rio Guamá, em Belém, e a Escola de Agronomia da Amazônia, EAA, que tinha apenas um curso, o de Agronomia, foi transformada em Faculdade de Ciências Agrárias do Pará, FCAP, com a criação e funcionamento de novos cursos como o de Engenharia Florestal, Medicina Veterinária e Engenharia de Pesca. Repartições estatais foram transformadas em empresas como o Serviço de Navegação naAmazônia e Administração do Porto do Pará, SNAPP, em Empresa deNavegação da Amazônia, ENASA, o Serviço de Proteção ao Índio,SPI, em Fundação Nacional do Índio, FUNAI. Outras como a Estradade Ferro Belém – Bragança foram simplesmente extintas... Foi criado o Projeto Rondon, um programa de extensão universitária que promoveu o intercâmbio entre os jovens universitários de todo o Brasil, ao mesmo tempo em que proporcionou que esses jovens tomassem conhecimento da realidade brasileira, extramuros das academias.

            A Revolução (ou Golpe) tinha chegado ao norte e Jarbas Passarinho (governador) e Alacid Nunes (prefeito de Belém), foram os dois militares que encararam a missão de recolocar o estado do Pará e a cidade de Belém na linha do desenvolvimento e acabar com a corrupção impregnada nos governos e políticos de então. Se conseguiram, só a história dirá, mas certamente tentaram e mudaram muito para melhor…

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Publicado em 08 de junho de 2016 em WEBARTIGOS

Cadeiras na calçada

 

                Houve um tempo em Belém, Pará, que a vida acontecia nas calçadas. As colunas sociais dos jornais diários ainda não existiam, ou tinham circulação restrita. As calçadas eram os veículos de circulação e propagação das notas sociais e efemérides da urbe.

                Com a precisão de um relógio suíço, as cadeiras tomavam conta das portas das casas de uma Belém provinciana, diziam uns, de uma pequena capital, diziam outros. Mas lá estavam elas. Não as cadeiras brancas de PVC como as de hoje, mas aquelas enormes e pesadas cadeiras de madeira de lei e outras até que nem tanto, de vime e madeira-branca ou bambu. Tinham também aquelas mais modernas feitas em hastes de ferro cujos encostos e assentos de fios plásticos coloridos! Uma novidade para a época!

– D. Zinha, veja quem vem lá! O “Zeca da Rosca”! – Falava uma.

– Ô comadre, tu sabes que a mulher dele tá doente das cadeiras?

– Num diz, mana. Ontem mesmo eu falei com ela na barraca da Mundica, lá no Ver-o-Peso!

E o papo ia acontecendo. Apelidos eram dados, os personagens eram analisados e a cidade vivia com muita chuva e com muito calor, como sempre.

                Cinco, seis, até dez cadeiras formavam um grande círculo na calçada. Quando esta não existia usava-se o leito da rua, que era a mesma coisa. Poucos veículos circulavam.

A molecada saia. Tomados banhos, roupas limpas e lá iam eles jogam petecas, ferrinho, pião ou outra qualquer brincadeira da época.

– Tu não achas esse cara parecido com um baiacu? – Rosnava a comadre mais velha, balançando a sua cadeira de embalo.

– Rá, rá, rá! Eras. Parece mesmo! – Respondia a D. Fonça.

E o fulano recebia o apelido que iria acompanhá-lo pelo resto de seus dias!

Mas a cidade foi crescendo. Chegaram as estações de televisão, o asfalto na rua, os carros velozes, os ônibus.

                A cidade se recolheu nas suas salas. As cadeiras não saíram mais. Os apelidos transformaram-se em títulos de novelas. Em vez dos diálogos com os vizinhos, comadres e compadres, a telinha respondia com brilhos e sons às indagações.

– Quem matou o sinhorzinho Malta?

– Quem colocou veneno na xícara da Sr. ª Astrud Vandenberg?

E assim por diante.

Instalou-se a solidão compartilhada por todos.

A TV passou a ser o mais novo e importante membro da família, para o qual todos prestavam reverência. E ái dela, se escangalhasse!!!

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Publicado em 24 de novembro de 2013 em WEBARTIGOS

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

O Fantasma do telefone

 

– Triiim – Êpa!

– Triiim – triiim. – Pulo da cadeira…

– Triiim, triiim, triiim, triiim – Tomo o telefone sem fio descansado, colocando-o ao pé do ouvido. Aguardo. Uma voz do outro lado avisa: “No momento, não posso atender. Após o sinal, deixe o seu nome, telefone e recado.” Espero. Ninguém reponde à voz gravada. Aguardo mais um pouco. Nada. Sinal de ocupado. Descanso o telefone ao meu lado. Corro pra cozinha onde está o outro telefone – um velho Ericsson do Brasil, de disco.

– Triiim, triiim, triiim, triiim, triiim, triiim, triiim. Êpa! De novo!? Desta vez deixei dar os sete apitos da campainha do aparelho da cozinha. Rapidamente, retorno ao sem fio ao ouvido. A mensagem se repete… Dou um grito! Chamo um palavrão daqueles! Ofendo a mãe do provável ouvinte da outra ponta do fio… Nada. Ninguém responde. O sem fio descansa de novo. Vou dormir.

– Triiim, triiim, triiim. Com um movimento rápido como se fosse um mocinho do faroeste americano, saco o revólver, ou melhor, o telefone sem fio que dormia ao meu lado.

– “Pliiim! Seis horas, trinta minutos e quarenta e cinco segundos”. Confiro no relógio de pulso. Aguardo. Ninguém fala. Dá o sinal de ocupado. Retorno o sem fio e me levanto. Acabo de ser despertado pela hora certa que não disquei, nem programei.

 No meio da manhã resolvo consultar a operadora telefônica.

– Você acredita em fantasma? – Pergunto à telefonista chamada Glória. Ela não responde. Continuo: -- Pois bem, ontem à noite aconteceu!

– Aconteceu o quê, senhor?

– Apareceu um fantasma em minha linha! – Respondi com a cara parecendo um verdadeiro idiota.

Contei o caso e arrematando disse: – A coisa se repetiu e em nenhuma delas eu estava usando o meu telefone! Nem tentando discar telepaticamente, brinquei.

– Seu nome, número e endereço – falou ela, teclando as minhas informações.

– Não se preocupe. Dentro de vinte e quatro horas o seu problema será investigado. Desliguei.

Nesta noite o fenômeno se repetiu. Tentei decodificar os triiins: Algarismo 1 – trim. Algarismo 2 – triiim, triiim. Algarismo 3 – triiim, triiim, triiim. E assim por diante. O zero era o mais longo deles… A campainha do velho Ericsson repetia os movimentos da mão do fantasma.

– Aconteceu de novo ontem à noite – falei pra telefonista, agora chamada Tânia.

– Meu senhor faça o seguinte: Ligue pra este número 3233-**** (as estrelinhas são minhas, pelo motivo óbvio que a ficção não explica).

– Brigado. – Desliguei.

– Alô. É do 3233-****?

– É.

– O que se trata?

– Tu acreditas em fantasma?

– Rarará!

– É o seguinte: Blá, blá, blá, blá, blá…

– Aguarde.

– …

– Não deu nada…

–?

– Meu senhor. Ligue pra nós quando estiver acontecendo o fato.

– Este telefone atende à noite?

– Não senhor. Só no horário comercial.

– Mas como…

Vamos mandar um funcionário rastrear desde a caixa do seu prédio até a central.

– Humm.

– Té logo.

– Té – Desliguei.

Às vinte e uma horas e cinquenta e três minutos dessa noite o fantasma voltou a atacar.

– Rastreamos toda a linha. Trocamos um transistor. Nada. Não detectamos absolutamente nada.

– E ai? Ontem o número que o fantasma discou era de aparelho celular. Quem vai pagar? Serei eu?

– Não se preocupe. Isto não acontecerá.

– E qual é a solução?

–  É por causa do telefone sem fio! É ele o fantasma!

– Mas como? A tecla “talk” têm que ser acionada. E em todas as vezes que o fenômeno “paratele” acontece, eu não estava usando o aparelho!

– É…

–??? – Desliguei.

O fantasma continua a frequentar o meu aparelho. E pior, apareceu em minha conta telefônica mensal…

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Publicado em 21 de novembro de 2013 em WEBARTIGOS



Carta ao Gallo

 

Saudoso Giovanni Gallo,

                Tinhas razão: As águas ditam o Marajó. Eu, porém, vos acrescento: – E a poeira, no verão dita a cidade! No verão, aqui na cidade de Soure, aonde vim experimentar as tuas teorias e hipóteses existenciais, a poeira, ou melhor, o talco vindo dos campos marajoaras cobre o chão calçado ou não, os móveis velhos ou novos, as paredes e o teu corpo de uma fina película de pó. Como se fossemos um bebê e a mamãe Natureza nos passasse aquele talquinho cheiroso, mas incômodo…

A tua Cachoeira do Arari continua a mesma, ou mais precisamente, quase a mesma. Para nela chegar ainda usamos a estrada de água no barco da prefeitura ou a estrada (PA 154) que nunca acaba, embora, em relatórios oficiais, provavelmente, uma espessa camada de asfalto a transformou em rodovia de primeira.

O que tem de novo é o cultivo de arroz nos campos alagáveis de Cachoeira. Um dos agricultores expulsos de Roraima, de dentro da reserva indígena Raposa Serra do Sol comprou diversas fazendas e implantou o cultivo mecanizado do arroz. Desde uso de avião para pulverização aérea até colhedeiras de última geração são usadas. Diz que a primeira produção foi distribuída para a população da cidade!

Esse fato me fez lembrar outro acontecido em uma mesa de bar quando eu perambulava por Cachoeira: O técnico da EMATER – Empresa deAssistência Técnica Rural, me respondeu por que não se cultivava nos campos do município: – Que tinha sido feito um experimento com autorização do dono da terra e a produção de arroz – eu escrevi ARROZ! – foi altíssima! Ai, quando foi para se cultivar pra valer, o fazendeiro dono da terra disse NÃO!

                O teu querido “O Museu d’O Marajó”– como gostavas de grafar o seu nome – continua de pé. Confesso-te que a última imagem que tenho dele foi no dia de teu enterro. A penúltima foi ainda dentro do barco que me levava para o teu féretro. Eu tomava um vinho em tua homenagem, sentado no chão do convés e depois de uns goles, eu profetizei terroristicamente: – Se eu fosse doido mesmo, eu pegaria um galão de gasolina, espalhava pelos quatro cantos do museu e tocava fogo!  O dia da tua morte, pra mim, corresponderia ao início da contagem regressiva da morte d’O Museu! De lá pra cá deixei de ir à Cachoeira. As notícias que tenho de lá são as de sempre: Falta de apoio, falta de recursos financeiros, brigas e intrigas das mais diversas origens e motivos.

                Despeço-me, fazendo mais uma confissão: Os cacos de cerâmica que recolhestes em tua passagem pelo Marajó, não são cacos. São na verdade, testemunhos de uma civilização inteligente esquecida no tempo! As gerações atuais, talvez, drogadas pela imposição de uma cultura, costume e comportamento alienígenas que lhes chegam pelos “modernos meios de comunicação e mídias” são os verdadeiros cacos. Não te deram ouvidos. Não valorizaram o teu trabalho de formiguinha. O futuro vislumbrado pelas teorias científicas atuais será a inundação de todo o arquipélago provocado pelo discutido e polêmico aquecimento global! E ai, quem sabe, um ET chamado Giovanni Gallo, ressurgirá e recolherá novamente cacos enlameados que encontrar ou a eles chegar, trazidos pelos zumbizinhos marajoaras!

A guisa de informação ou para saber mais: Giovanni Gallo era italiano, padre jesuíta, que optou pela catequese no Terceiro Mundo, indo parar na cidade de Santa Cruz do Arari, centro do Arquipélago do Marajó, Pará, Brasil. Lá, com a ajuda da comunidade criou O Museu do Marajó. Para não matar ou não ser morto pelos seus adversários – leia-se o prefeito da época – como ele próprio escreveu, abdicou da batina, mas não da fé. E transferiu O Museu para a cidade de Cachoeira do Arari, cidadezinha localizada também no rio Arari, não muito distante  e diferente de Santa Cruz. Deixou de ser padre jesuíta, porém, continuou o seu trabalho evangelizador da memória, da cultura, da ciência e do comportamento desse mundo chamado Marajó! Giovanni Gallo faleceu em Belém, no dia 07 de março de 2003, por complicações advindas de um atropelamento por bicicleta, ocorrido na cidade de Cachoeira do Arari, Pará.

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Publicado em 24 de outubro de 2013 em WEBARTIGOS

domingo, 29 de agosto de 2021

O dono de casa

 

                Beirando os 46, eis que experimento as tarefas do dia a dia de uma casa. Sinto a monotonia, a rotina, como os movimentos dos ponteiros de um velho relógio esquecido em uma parede.

                Acordar e fazer o café. Antes, porém, lavar a louça deixada descansando na pia. Sair. Voltar e procurar o almoço. Decidir sobras de ontem ou um novo prato? Adiante acender o fogão. Arrumar a mesa. Sentar e comer. Jogar de novo as louças, pratos e talheres dentro da pia. “– Devo ter uma lavadora automática de louças?” – penso com as mãos molhadas e a barriga também.

                Os dias passam. A semana chega ao fim. Devo lavar as roupas sujas, acumuladas embaixo da pia do banheiro. “– Preciso ter uma lavadora automática de roupas!” – penso agora. O chão do apartamento está sujo. São pequenas penugens soltas dos corpos dos periquitos da sacada, misturadas com alguma poeira e grãos de terra trazidos da rua. A sala está desarrumada. Os jornais diários se espalham pela mesa, pelo banheiro, pelo quarto e sei lá por onde mais.

                Não tenho paciência para os trabalhos de culinária. Gostaria muito que tudo fosse desidratado, empacotado a vácuo. Depois de acrescentado água e se necessário, aquecido e pronto. Comida de astronauta, quem sabe. Seria muito bom – “cômodo” – queria dizer!

                Lavar louças até que vai, porém, quando decido fazer isso, lavo também o chão, a parede,  a barriga e tudo o mais em um raio de um metro pelo menos. Com as roupas também é assim. O sabão em pó me ajuda. Não esfrego nem torço. Só deixo descansar por algumas horas ou dias… e tiro da água ensaboada com muita água e pronto, estendo na corda. Ainda não sei como vou passá-las. Isto, ainda não experimentei.

                Fazer comida, como disse, não é comigo. É comigo preparar uma panela de arroz branco e insosso ou salgado demais, sem nenhum outro tempero. É fritar ovos, deixando o fogão e adjacências sujas de óleo e frituras, por mais que o exaustor seja ligado. O que eu gosto mesmo é fazer churrasco. Mas churrasco de apartamento é sem carvão e sem fumaça…

                A churrasqueira é uma panela rasa, com uma grelha, onde o calor entra e assa a carne. Mas a defumação com a fumaça do carvão não existe neste processo, portanto, o churrasco é diferente e sem graça.

                Diante de tudo isso, sou obrigado a reconhecer que a minha praia não é exatamente a rotina de uma casa. Não sou disciplinado o bastante nem consigo economizar tempo nessas tarefas. Só me resta o consolo de esperar minha empregada doméstica voltar de suas férias…

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Publicado em 20 de setembro de 2013 em WEBARTIGOS

Folia no Museu Goeldi

 

Esta história baseia-se em fatos, para mim contados, pelo saudoso e querido

Dr. José Carlos Félix de Oliveira, advogado – pra mim simplesmente Dr. Félix,

morador nas cercanias do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, Pará,

que me ensinou a evolução dos peixes de pele (sem escamas),

e, na década de 1990 salvou minha pele

da perseguição política da faculdade onde eu trabalhava.

Meu eterno reconhecimento!

              

              – A gente vai ter só quinze segundos para atravessar para o outro lado – sentenciou cronometricamente o pequeno Marco Chafariz.

              – Quantos poraquês têm no lago? – Indagou completamente por fora o Toninho Tonto.

               – Rapaz. São vários. Não tenho a menor ideia de quantos. Uns dezoito, mais ou menos – conjecturou Marco Chafariz.

                O grupo era formado por cinco rapazes. Moleques com a idade média de 13 anos. Estavam reunidos à sombra de um pé de Guajará, a árvore mais antiga, localizada em frente da jaula das onças.

               – Reparem que tem aqueles cipós descendo até o chão…

               – É a “escada-de-jabuti” – informou o esperto Zé do Açaí.

               – Vamos ter que subir por eles?

               – Não, não é nada disso. Quem “sobe” nele só é o jabuti… Corrigiu Marco Chafariz.

               – Bem do lado dele, existem aqueles cipós que são verdadeiras cordas. São aqueles ali – mostrou apontando com o dedo.

              – A gente pode usá-los para passar do lago para a ilha. Da ilha para o outro lado será com as nossas pernas… Apareceu finalmente a opinião do Pedro Mucura.

              – Mas é exatamente lá que os poraquês costumam descansar depois da comida… – disse preocupado o Zé do Açaí

                A reunião vez por outra era interrompida pelos urros da onça-pintada, que mesmo enjaulada, fazia arrepiar os cabelos dos rapazes. Imediatamente se calavam, como se assim o felino parasse de emitir o seu esturro gutural.

                – Se um, apenas um, daqueles peixes elétricos encostar-se na perna de um de nós, será um choque de mais de seiscentos volts! – sentenciou Argemiro, o que se dizia especialista em peixes produtores de energia elétrica.

                – Todos já entenderam a missão? – perguntou Marco Chafariz.

                – Entendi sim. – Disse Toninho Tonto, quase ao mesmo tempo que o Zé do Açaí, o Pedro Mucura e o Argemiro.

                A chuva das duas horas da tarde tinha começado e fez com que a reunião, que estava para findar, ser transferida para o pátio da Rocinha. E pra lá foram.

                – Tem um detalhe. Todos devem pular o muro sem serem vistos pelo Mundó. Ele está uma fera com a gente, desde a última que aprontamos com o macaco punheteiro… – retomou o diálogo o Zé do Açaí.

                – Não se preocupem com isso. Eu sei como despistá-lo. Vou pedir pra Mariquinha Irerê levar um pão doce com refresco de cupuaçu pra ele, lá no portão de entrada. Fico na guarda na esquina. Quando ela chamar por ele, a gente se prepara. Ok? – arrematou confiante Argemiro.

                – Então, tá fechado. Amanhã, quer chova, quer faça sol, às nove da manhã a gente se encontra na esquina da Alcindo com a Independência. Dispersaram-se.

                No outro dia, lá estavam os cinco rapazes moleques – ou seriam moleques rapazes?

Argemiro levava um pão doce embrulhado em papel-manteiga. O refresco era da Mariquinha, que fazia ponto no portão de entrada, vendendo raspa-raspa.

                – Ei Mundó! Vem cá! Tenho uma merenda pra ti – chamou Mariquinha Irerê.

                Mundó que catava umas frutas de taperebá pelo chão se dirigiu até a prestativa Mariquinha.

                – Vamos pessoal! – gritou Toninho Tonto.

                – Ahhhhôôô… ahhhhôôô… – o grito do Tarzan, ou melhor, de cinco Tarzans ecoou no ar do Museu. A bicharada se alvoroçou. A cutia dourada ficou imóvel e depois desembalou pela trilha. O macaco guariba preta interrompeu a acrobacia que fazia no alto da Castanheira. A arara-canindé pôs-se a taramelar. O jacaré-açu, que pegava sol, mergulhou rapidamente n’água. O bando de tartarugas-da-amazônia e tracajás-do-Rio-Negro acompanharam, por sua vez, seus inimigos naturais no banho fora de hora. Momentos depois, a tarefa estava cumprida. O grupo de rapazes moleques se espalhou pela vegetação densa do parque. Mais uma folia no Museu Goeldi.

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Publicado em 04 de setembro de 2013 em WEBARTIGOS

sábado, 28 de agosto de 2021

Meu nariz

 

                “Pensar globalmente, agir localmente”. Este foi um slogan lançado em 1990 para comemorar o Dia da Terra. Passados vinte e três anos, aquilo que seria um pensamento ecologicamente correto (outro slogan), digamos assim, contém uma mensagem a nosso ver fortemente colonialista: a globalização. Ora, globalizar significa desconhecer fronteiras físicas, culturais, científicas, usos e costumes e tudo o mais que forma o status de um povo, de um país, de uma nação.

                Não me refiro simplesmente à globalização da informação, rede mundial, parabólicas, celulares, comunicação via satélite, i-pods, tablets, etc. Refiro-me a globalização para quem? Quem se desenvolverá com a globalização? Quem terá benefícios com a globalização? Será o ribeirinho da “boca” do igarapé de São Benedito, na ilharga de Muaná, no Marajó, Pará? Ou o morador do edifício Atalanta, em Belém do Pará, ou ainda o morador da AvenidaVieira Souto, no Rio de Janeiro? Ou o morador da Vila da Barca, emBelém, Pará? Quem?

                Deparamo-nos diariamente, às vezes segundos a segundos, com mensagens na televisão informando acontecimentos lá da caixa-prego (Ops! Este lugar existe e está na Bahia, mais precisamente na Ilhade Itaparica!). Assim, sabemos de fatos do outro lado do mundo e deixamos de saber o que está acontecendo no nosso quintal, na frente do nosso nariz.

                Nomes estrangeiros titulando lojas, serviços, produtos, pessoas e tudo o mais. “É chic”, dirão alguns… De sorte que nossa cultura, nossas lendas, crendices, nossa ciência tradicional estão sendo soterradas por este fenômeno chamado globalização, uma verdadeira pororoca ou tsunami! Entre nós, até a pobreza e o meio ambiente dão poema… Quanta contradição existe em afirmar a fome e a pobreza na Amazônia!

                Por que teremos que esperar que chegue um alienígena para nos salvar? Que competência tem uma cultura e civilização que exauriu o seu chão, poluiu sua água e ar e exterminou milhares de espécies animais e vegetais?

                Que moral tem um povo de clamar por ar puro alardeando mentirosamente que a Amazônia é o pulmão do mundo, se este mesmo povo expele diariamente através de seus automóveis e chaminés toneladas e mais toneladas de gases altamente venenosos?

Eu quero ser dono de meu nariz e nele só quem mete o dedo sou eu mesmo!

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A “vaca” que virou “caviar”

 

                Os habitantes da cidade de Maués, um município do Estado doAmazonas, há apenas algumas décadas, tinham o hábito alimentar baseado fortemente na caça, pesca e coleta de produtos da natureza amazônica. Com uma população em torno de 15.000 habitantes – em 1950 – eram comuns, nos vastos quintais das casas, criatórios de quelônios como o jabuti, a tartaruga, o tracajá e outras espécies silvestres.

                O padre Antônio Vieira, citado por Leandro Tocantins em seu livro “Amazônia: Natureza, Homem e Tempo” afirmou: “… para ter o pão da terra, há de ter roça, para comer carne há de ter caçador”, referindo-se aos povos da Amazônia. Sublinha assim, de forma inconteste, a importância dos animais silvestres na alimentação das pessoas que moram nesta região.

                Ainda Leandro Tocantins informa que os próprios indígenas promoviam o criatório e aproveitamento da fauna amazônica, especialmente da tartaruga. Cita, por exemplo, que em 1785, entraram, para o curral da Capitania do Rio Negro, 2.896 quelônios. Se considerarmos que as tartarugas eram colhidas no período que vai de outubro a dezembro, meses em que as praias dos Rios Solimões e Amazonas ficam descobertas, chegaremos a uma quantidade média de 32 tartarugas capturadas por dia!

                Além das tartarugas, que os portugueses chamavam de “vaca cotidiana das mesas portuguesas”, outros quelônios, pacas, veados, antas, cutias, porcos-do-mato (caititus e queixadas) faziam parte da dieta não só dos habitantes de Maués, como de toda a imensa região amazônica.

                Há aproximadamente 33 anos – em 1980 – a população de Maués passou para algo ao redor de 30.000 habitantes. Foram necessários, portanto, 30 anos para que dobrasse de número. Isto corresponde a uma baixíssima taxa de crescimento populacional, o que reflete diversos fenômenos ocorridos no período, especialmente a migração de uma boa parte das pessoas para a capital, atraídas que foram pela instalação da Zona Franca de Manaus.

                Se a população humana levou três décadas para duplicar, os hábitos alimentares destas populações sofreram fortes modificações. A instalação da sociedade de consumo, simbolizada pelo surgimento de supermercados e grandes lojas de eletrodomésticos; a transformação de grandes extensões de floresta em pastagem e a intensificação da fiscalização

do então Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, IBDF, hoje Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, IBAMA, sobre a coleta  de quelônios, e vários outros fatores sociais, econômicos e políticos, contribuíram para a drástica mudança. Agora, a proteína animal é adquirida nos açougues e supermercados e o peixe de primeira qualidade foi substituído por peixe de menor categoria, exatamente aquele que não interessa ao exportador. Quem imaginaria, por exemplo, que encontraria nos dias atuais, nos balcões refrigerados dos supermercados paraenses a arraia?

                A tartaruga deixou de ser a “vaca” cotidiana das mesas e virou “caviar”, disputado a peso de ouro pelas classes mais abastardas. Uma tartaruga de tamanho médio, no mercado ilegal, estava cotada em torno de Cr$25.000,00, em janeiro de 1992, cerca de R$60,00 reais nos dias atuais.

                A caça para a subsistência é olhada pelas pessoas que dela não dependem, como um ato criminoso e antiecológico. Por outro lado, o incentivo para a pesquisa em manejo e criação de animais silvestres em cativeiro, que é uma das possibilidades para o suprimento de proteína animal de boa qualidade para as populações locais, é desencorajada pela dificuldade em receber apoio e cumprir com as normas legais vigentes.

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sexta-feira, 27 de agosto de 2021

O poço “vomitou”…

 

            Foi o que eu ouvi de uma velha sábia senhora moradora da comunidade extrativista de Tucumanduba em Soure, Pará. Estávamos conversando sobre a atual temporada de chuvas no Marajó. Esperei ela completar para eu poder entender o que ela queria dizer. Ao detalhar que em sua casa, quase na beira do lago São Domingos, o poço boca amazonas tinha vomitado de tanta água, isto é, a água era tanta que foi enchendo, enchendo até transbordar pela boca!
– Vomitou! – Completou ela. Fazia tempo que isso não acontecia. E eu nunca tinha imaginado que um poço vomitava! A imagem é perfeita! O poço que tem boca e a boca que vomita!
            Realmente muita água! O inverno marajoara deste ano tá confirmando o que o saudoso GiovanniGallo, aquele padre italiano “maluco” que fundou o Museu d’OMarajó e que como poucos marajoaras, incorporou o sentido da vida do grande arquipélago disse um dia: “Marajó, a ditadura das águas”. E é este elemento que domina, impõe suas vontades e somente através do seu bom entendimento o homem vive e sobrevive no Marajó.
            As areias das praias mesmo quando a água da maré está lá embaixo continuam úmidas, molhadas até, pelo escorrimento superficial das águas das chuvas que não conseguem mais infiltrar-se no solo. O verdadeiro igarapé que se forma na beira da estrada e que em algumas partes invade também o seu leito, mesmo quando a chuva faz tempo que terminou… Este é o inverno marajoara.
No meio disso tudo, uma explosão atlântica: “O nível do mar está subindo mais rápido do que o esperado”, dizem os cientistas. E em uma simulação – vejam bem – si-mu-la-ção, cientistas brasileiros do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, INPE, informam que 28% do Marajó desaparecerá se o mar subir apenas 2 metros! E completam, “Em um futuro não muito distante!”. A boca do mar está prestes a vomitar também!

            Entre simulações e elucubrações o marajoara vive o seu hoje, montado em seu búfalo ou navegando em sua montaria. Uma notícia científica divulgada sem maiores explicações. Superficial como a boca do poço. Ou sem maiores explicações que o senso comum entenda, decodifique. Sou mais a velha sábia e o seu poço que vomita!

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Publicado em 16 de agosto de 2013 em WEBARTIGOS

A “preguiça” do caboclo amazônico

 

            O caboclo amazônico só trabalha quando está com fome”, disse-me um comerciante de origem nordestina. Será verdadeira esta afirmação? Quem lida com pessoas, especialmente nas atividades agrícolas em nossa região pode chegar a essa conclusão. Vale a pena, porém, analisar o ambiente em que o caboclo amazônico vive, compará-lo com os de outros lugares – por exemplo, o do nordestino – e desta análise fazer novas inferências a respeito.

            Na região do Salgado Paraense, especialmente no município de São Caetano de Odivelas, ocorre um fato bem típico, desta quase sempre enervante relação trabalhista, na qual o empregador quase nunca fica satisfeito com o desempenho de seu empregado de origem local. Lá, a mão de obra torna-se difícil em certas épocas do ano, devido o caboclo preferir “tirar” caranguejo no mangal, em vez de trabalhar em atividades de criação e plantação recebendo o salário. Este município é rico deste recurso e o acesso a ele é favorecido pela estrada que corta o manguezal. Em época do suatá – quando o caranguejo anda – é frequente encontrar-se verdadeiras procissões indo em direção do mangue.

            O ambiente amazônico pouco alterado que está, ainda é rico em recursos naturais. O caboclo com antepassado índio sabe muito bem disso. Como a floresta amazônica está em equilíbrio, ou seja, a produção de energia iguala-se ao consumo, o caboclo que nela vive pouco acumula ou capitaliza. Talvez a farinha de mandioca e o peixe moqueado ou salgado, sejam algumas formas de capitalização que ele desenvolveu. Tendo a farinha e o peixe, o que ele quer mais?

            Quando o rio não está na frente de sua casa, um dadivoso igarapé lhes oferece o peixe-do-mato por detrás. Se quiser variar o cardápio, arma o “bufete” – um tipo de armadilha que dispara um tiro apenas, quase sempre certeiro, em uma caça que se aproxima descuidada – e assim obtém carne de ótima qualidade (tatu, veado, paca, etc.). O açaí, que para quem vive no interior do Estuário Amazônico – nas Ilhas – ainda é o café, o almoço e o jantar, a ele se juntando o camarão salgado (pescado no matapi), ou o peixe ou o charque, ou qualquer outra carne, e está resolvido o problema.

            E o caboclo nordestino, tido e havido como pessoa trabalhadora, por que o é? Lá, opostamente ao que aqui ocorre, o ambiente é árido, faltam-lhes os recursos naturais. Assim, a busca pela sobrevivência faz de sua força de trabalho o meio de obter o seu sustento.

            Esta é a grande diferença. “Preguiça”, nunca, ou quase nunca…

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Publicado em 08 de agosto de 2013 em WEBARTIGOS

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Quase peixes

 

            A água, em dois de seus principais estados encontrados na natureza, influencia e caracteriza fortemente os diversos ecossistemas da Amazônia. A começar pelo clima da região, denominado que é de pluvial, quente e úmido. No estado líquido aparece como pluviosidade e no gasoso como umidade.

            Estima-se que a pluviosidade – quantidade de chuva caída em determinado lugar e em determinado tempo – está em torno de 2.200 milímetros de chuva, em média, por ano. Se pudéssemos guardar todas essa água das chuvas caídas em um metro quadrado de terra, em um ano – para isso acontecer a água não poderia evaporar; as plantas, os animais e o homem não a utilizariam em seus metabolismos e atividades vitais; não vazaria para os igarapés e rios e não se infiltraria para as camadas profundas  do solo – teríamos uma coluna de 2,20 metros de altura, ocupando os mais de 5 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia! Na impossibilidade de satisfazer estas condições teóricas, mesmo assim, essa enormidade faz existir na Amazônia a maior bacia hidrográfica do mundo, representando 15% de toda a água doce na forma líquida do planeta!

            A água gasosa, chamada de umidade relativa, presente na atmosfera da Amazônia, é em média de 80%. Isto tudo, favorecido pelas sempre ou quase sempre elevadas temperaturas, permite a existência de uma grande quantidade de fungos e bactérias, que encontram aqui, condições propícias para se reproduzirem, crescerem e se multiplicarem.

            Vivendo neste ambiente, o homem branco, ao contrário do índio, muitas vezes demonstra ainda estar pouco adaptado a esta condição de domínio absoluto da água. Embora o belenense, por exemplo, cultive ou cultivava a apologia da chuva da tarde, como marcadora de encontros e despertadora de muitos eventos, até hoje não desenvolveu hábitos, costumes e estratégias que demonstrem o seu reconhecimento da importância da água no seu dia a dia. Suas casas na maioria das vezes, não apresentam como deveriam ter, vastos beirais; os abrigos das paradas de ônibus, pouco ou nada protegem das chuvas e do sol inclemente; é raro as pessoas terem o costume do uso do guarda-chuva ou da capa; quando começa a chover, presenciamos cenas de correria das pessoas pegas de surpresa, tentando encontrar algum abrigo; muitas vezes atividades são adiadas ou prejudicadas, pelo simples fato de terem sido programadas desconsiderando o período do dia e a época do ano que iriam se realizar.

            Sonha-se em ter um carro, porém, pouquíssimos pensam em pilotar um pequeno barco ou uma moto aquática por entre os vastos rios e igarapés que nos rodeiam. Demos às costas para os rios e para as baías, mas reclamamos de mais estradas e pela conservação das existentes.

            Vivemos em um “continente-água”, somos quase peixes, mas a água nos é cara e, pior ainda, considerada como um líquido precioso…

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Publicado em 07 de agosto de 2013 em WEBARTIGOS

Não descarte a Natureza

 

            Consumir, consumir, consumir… É a palavra de ordem. Globalizar para consumir ou consumir para globalizar. É a questão verdinha em folha. O Norte olha para o Sul repara o tamanho do mercado consumidor potencial. Olha também para o tamanho do almoxarifado natural disponível. Muita madeira, muito minério, muita água.

            Em 1991, só nos Estados Unidos, eram descartadas cerca de 30.000 fraldas por minuto! É pouco, ou quer mais? Então lá vai: 2.850 canetas esferográficas! 28.000 aparelhos de barbear! Vejam que isto tudo em apenas um país, diga-se de passagem, o berço e lugar da maior sociedade de consumo do mundo atual! E para onde vai todo esse material? Para a Natureza, é claro.

            É mais rico, quem mais produzir lixo! Sim, é verdade. O progresso, o desenvolvimento, a qualidade de vida, sei lá o quê, para os consumistas inveterados é medido pelo volume de “resíduos sólidos” que a pessoa, a cidade, o país produz. Ainda naquele ano, segundo a mesma fonte, o americano produzia em média 2,5 quilos de lixo diário. Naquela altura o brasileiro produzia apenas um quilo… Aí o humano se iguala ao rato, seu quase permanente companheiro: acumula lixo e como acumula! Diz uma famosa carta de um índio americano: “Um dia, homem branco, acordarás sobre teus excrementos...” São quase 70.000 substâncias consumidas atualmente. Metade delas tóxicas. A Natureza tem a capacidade limitada para digerir isto tudo. Além disso, o espaço também é limitado.

            Faça um exercício simples. Se você está de férias e teve possibilidades de sair de seu ambiente urbano rotineiro. Digamos, estás na praia do Pesqueiro, em Soure, Pará. Caminha um pouco pela areia. Acompanha a linha das últimas preamares. Olha pro chão. Observa. Vais encontrar entre galhos, folhas, frutos, sementes e outros materiais naturais, certamente frascos de plástico de xampu, bronzeador, vidros, latinhas de alumínio, sacos plásticos diversos, canudinhos de plástico, pedaços de isopor, copos e tudo o mais. Produtos ou embalagens de produtos descartáveis lançados na quase infinita – pensam eles – a lixeira, a Natureza.

            Soluções alternativas existem. Primeira: educar ambientalmente. Segundo: exercitar regularmente a reciclagem de materiais. Terceiro: evitar o máximo, a utilização de produtos ou embalagens descartáveis, especialmente aqueles que demoram em ser degradados. De preferência usar produtos biodegradáveis. Quarto: preferir embalagens naturais, como água de coco na embalagem natural --  próprio fruto – frutas, sementes e tudo o mais que chegou primeiro que você na Natureza. Não descarte a Natureza.

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Publicado em 30 de julho de 2013 em WEBARTIGOS

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Cheiros do Pará

 

            Está um sol de lascar! De repente, uma nuvem escura se aproxima e a chuva começa a cair. Finos pingos d´água recém-liquefeitos tocam o asfalto negro e quente. Como chegam, voltam para a atmosfera, agora como vapor que se forma no exato momento de seu choque com o chão aquecido. Simultaneamente, exala um cheiro, um bom cheiro de chuva. No campo, ontem roçado, o cheiro que a chuva recém-chegada faz é de mato. Mato novo, clorofiliano.

            De volta à cidade, outros cheiros poluem ou aromatizam o ar. É o bom cheiro da antiga fábrica de sabonetes. Não conheces? Então não és belenense. Sugestão: dá uma passada ali pelo bairro do Reduto

            Fostes ao Ver-o-Peso? Então sentistes o cheiro (mau) que exala da lama da famosa doca. Entre barcos, vigilengas, igarités, canoas e outras montarias, os restos da feira decompõem-se e atraem os urubus, fies lixeiros da natureza.

            Depois do almoço, ou à tardinha depois da sesta, tem o cheiro das torrefadoras de café. Puro ou nem tanto, o cheiro se espalha levado pelo vento terral.

            Cedo, na hora dos ônibus começarem a circular, tem o cheiro das panificadoras. É o aviso, para que daqui a pouco, os fregueses se dirijam para comprar o pão nosso, bromatizado ou não, de quase todos os dias…

            É hora do rush. As avenidas estão engarrafadas. Veículos por todos os lados, ou quase isso. O ar fica esbranquiçado, acinzentado e o mau cheiro dos gases e partículas expelidos pelos motores toma conta dos primeiros dez ou quinze metros da atmosfera. As mangueiras, as acácias, os oitizeiros, as castanholas e outras árvores das ruas trabalham dobrado para retirar o CO² do ar. Será que conseguem? Em troca ficam com as folhas, os galhos e troncos enegrecidos pela fuligem.

            Tem um cheiro que é restrito. Criminosamente restrito às crianças e aos adolescentes da rua. Sai das lojas e em vez de ir para os sapatos, vão para as mãos desassistidas dos menores e quase adultos. Das garrafinhas descartadas de água mineral que lhes serve de depósito, até as narinas. É o cheiro da cola. Diz que mata a fome… E a esperança também.

            À tarde – para alguns, a toda a hora – tem o cheiro inigualável e verdadeiramente típico do Pará. O do tucupi cheiroso, fervendo na panela da tacacazeira. Tem mais. O cheiro da pimenta que esquenta ainda mais a singular iguaria paraense.

            Nas semanas que antecedem o Círio de Nazaré tem o cheiro inconfundível da maniva posta a ferver para preparar a original maniçoba.

            Agora, cheiro ruim mesmo é o do “chem” de Ananindeua, uma das cidades da região metropolitana de Belém. A decomposição do lixo doméstico a céu aberto, espalha pelas cercanias o mau cheiro. Madrugada destas, o cheiro invadiu quase toda a cidade de Belém. Eram quase três horas da madrugada. Uma névoa às vezes espessa, às vezes rala, cobria os prédios da cidade. O ar não corria. Estava abafado. Lembrei-me do fenômeno da inversão térmica. É frequente em cidades com altos índices de poluição do ar como São Paulo. Será que Belém “ganhou” a sua?

            Por fim, o cheiro mais cheiroso é o “cheiro do Pará”. Fragrâncias apreendidas das essências nativas da floresta amazônica. Perfumes acondicionados em saquinhos de papel e em vidros que exalam natureza. Levam para todos os cantos do mundo o cheiro da mãe natureza. É como um alerta. Uma mensagem para que o homem se lembre da Terra, como a mãe que perfuma seu filho querido.

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Publicado em 24 de julho de 2013 em WEBARTIGOS

Divulgação do Livro Amazônia: Do Quase Paraíso Verde ao Provável Deserto Vermelho e Cinza

  Olá! Peço que divulguem em suas redes sociais e de algodão... PARA CONHECER MAIS, ACESSE E LEIA:  Onde está publicado e disponível também ...