Homenageio
e reverencio os meus queridos e saudosos mestres
Rubens Rodrigues Lima (Agricultura Geral); Humberto Marinho Khoury
(Botânica);
Batista Benito Gabriel Calzavara (Silvicultura);
Alda de
Melo e Silva Monteiro
(Botânica);
Natalina Tuma da Ponte (Química Agrícola e Fertilidade); Eurico Pinheiro (Agricultura Especial);
Lúcio Salgado Vieira (Solos)
e Ítalo Cláudio
Falesi
(Solos)
que
em suas interessantíssimas
aulas
práticas
me
apresentaram as importâncias, as belezas
e
as histórias desses lugares.
Tornar
a disciplina de Ecologia Básica realmente ecológica foi a minha
decisão ao implantá-la no novo currículo de graduação de
agronomia da então FCAP, hoje UFRA, lá pelos idos de 1978-80. Daí
a minha disposição de ir ao campo, isto é, à Natureza e planejar
as aulas práticas. Optei em começar pelo campus da faculdade ao meu
redor. Sem necessidade de pedir transporte, etc. Caminhando mesmo –
é certamente mais ecológico! Daí, hoje posso apresentar todas as
trilhas por onde, algum dia – ou vários deles – passei. Eu e
meus estudantes. Vejamos:
Trilha
01: Ecossistema
de Várzea do Estuário. Do prédio central
até a margem direita do rio Guamá. Seguir
pela direita até encontrar a estrada ao lado direito do canal, já
na várzea; Na margem direita da estrada, vegetação de igapó e
várzea. À esquerda, plantio de arroz irrigado; Alcançar a margem
do rio Guamá. Na beira do
rio, à esquerda, as
marachas, sobre
elas o plantio de açaizeiros anões
e os diversos tabuleiros
de plantio de arroz irrigado. À frente, a margem direita do rio
Guamá mostrando o vai e vem das marés. Sobre o solo muitas sementes
de plantas trazidas pelas marés, galhadas, folhas e muito lixo urbano.
Descrição sumária:
Depois de circular pelas
marachas da várzea, a turma
se dirigia para a área
aterrada
destinada ao retorno de veículos,
ao pé de um açacuzeiro, formava um círculo, todos sentados e
um pequeno debate sintetizava
a aula. O tema era: Onde
estou? Com o auxílio do então famoso e útil catálogo telefônico anual impresso aberto na página que continha o mapa da cidade de
Belém, o debate rolava…
Apontava para o mapa para
mostrar o formato que a
imagem da localização da cidade de Belém apresenta – um cotovelo
– onde há a foz do rio Guamá e a baía de Guajará – e
reforçava a comparação fazendo o gesto de dor no cotovelo. Quase
todos riam e finalmente ludicamente entendiam o ponto original e a
expansão da cidade…
Trilha
02: Ainda tendo o prédio central como ponto de partida, a
trilha começava indo em direção da Zootecnia, o prédio mais
afastado de então. Atravessava-se uma pequena ponte de madeira sobre
outro canal na várzea, aberto nos idos de 1954. Até então o solo
por onde caminhávamos era revestido por piçarra e suas margens
ocupadas por vegetação secundária e pasto. Poucos metros adiante
chegava a várzea onde o solo era lamacento e pegajoso e com bastante
água das frequentes chuvas e das marés que lá chegavam. A
vegetação aqui era de floresta de várzea “mexida”, ou seja, já
explorada. Avistavam-se alguns pés de samaumeiras e açacuzeiros,
além da palmeira açaí. Caminhava-se apoiando-se em troncos às
margens de uma pequena trilha que mal passava um pequeno trator
sempre encharcada de água. Depois de 20 a 30 minutos, alcançava-se
a margem do igarapé Murutucum. O destino final eram as Ruínas do
Engenho do Murutucum. Por algumas daquelas inexplicáveis
coincidências, as duas margens do igarapé eram ligadas por um
volumoso tronco de uma árvore tombada, faz tempo, o que facilitava
em muito a travessia do igarapé sem se molhar... A missão de todos
era atravessar o igarapé por cima do tronco. Claro estava que eu
sempre dava o exemplo… Alguns mais afoitos e certamente com maior
vigor físico, passavam na minha frente e rapidamente alcançavam o
outro lado. Se postavam e auxiliavam os demais na conclusão com
sucesso da travessia. E ái daquele/que escorregasse e caísse na
água!!! Era risada geral! Já na outra margem do igarapé a trilha
se estreitava acentuadamente. Esses locais eram visitados
costumeiramente por coletores locais de frutos e sementes das árvores
da várzea, especialmente os deliciosos frutos do açaizeiro, aí
muito frequente. Com esta facilidade na logística chegávamos alguns
minutos depois nas ruínas do Murutucum. Alçávamos o muro de arrimo
do que teria sido o porto do engenho, vislumbrávamos a capela e mais
à esquerda uma torre de tijolos, quase toda revestida pelo cipó
apuí (estrangulador) que fazia parte do engenho, cuja mecânica de
então, aproveitava a energia das marés através de uma grande roda
d’água instalada em um canal de desvio do igarapé, também
construído na época. Aqui, só imaginávamos a cena visto que a
roda d’água não existia mais… Finalmente adentrávamos a capela
e em seu interior comentávamos sobre a história do lugar. O retorno
se dava quase pelo mesmo trajeto. Precisávamos atravessar de novo o
igarapé. Diferenciava apenas na sua parte final em que seguíamos
pelo lado direito de uma cerca de arame farpado que indicava o final
da área da FCAP e início da área pertencente à EMBRAPA.
Desembocávamos então numa velha estrada onde existiam os prédios
da avicultura, cunicultura, apicultura, dentre outros. Enfim,
chegávamos na estrada asfaltada que nos levaria até o prédio
central, ponto final da aula.
Trilha
03: Ecossistemas
de Floresta de Terra Firme,
Várzea, Igapó e Lagos. Era
uma das mais longas trilhas. Durava cerca de 04 a 05 horas!
Correspondia toda a sequência de ida da trilha 02 até as ruínas do
Murutucum.
Aqui, nas ruínas, era a primeira etapa. Alcançávamos a estrada da
CEASA, atravessávamos o seu portão principal e rumávamos adiante.
Cerca de 50 a 100 metros pra frente, entrávamos no portão da
EMBRAPA, que se mantinha quase sempre aberto e rumávamos em direção
às
duas áreas muito bem estudadas desde os primórdios do Instituto
Agronômico do Norte, IAN, antes mesmo que a Escola de Agronomia da
Amazônia, E.A.A. fosse fundada: A Área do Mocambo e a Área de Pesquisas Ecológicas do Guamá, APEG. Muitos cientistas de renome
mundial lá estiveram, coletaram materiais e a estudaram, como
os botânicos Murça Pires, Adolpho Ducke, George Black, Humberto Marinho Koury, Normélia Vasconcelos,
Paulo Cavalcante, Paul Ledoux, Ricardo Fróes,
dentre outros. Na
margem esquerda desta estrada eram pastos e no direito, florestas.
Das duas, a preferida era a APEG, que além da vegetação estar
catalogada, iriamos observar diversas estruturas – em ruínas,
infelizmente
– que testemunham o quanto de ciência e pesquisa lá se passaram.
A trilha era bem sinalizada. Percebíamos claramente o rumo a seguir.
Algum tempo depois de dentro estarmos, nos deparamos com as ruínas
de uma casa de madeira com pilastras em tijolo. Era a casa de apoio e
laboratório para os
pesquisadores. Próximo dela
uma construção arrojada para a época: Uma torre de estrutura
metálica, tipo andaime, que alcançava até acima da copa da árvore
mais alta do lugar! Ainda víamos nessa plataforma, um conjunto de
instrumentos de climatologia. Devido os assoalhos dos diversos
andares serem de madeira e pela pouca ou nenhuma manutenção dada à
edificação histórica, não encorajava a subida, embora, mais uma
vez, alguns mais afoitos à escalassem. Fazíamos
diversas paradas e abordávamos o ambiente ao redor. Uma grande
árvore tombada nos dava chance de discutir o sistema radicular como
estratégia para se manter os
vegetais em pé nos frientos e lamacentos solos aluviais das várzeas
do estuário amazônico. Pela trilha seguida eram muito frequentes
avistar umas plaquetas de alumínio fixadas nos troncos das árvores,
que indicavam a catalogação das mesmas nos inventários florísticos
pioneiros lá realizados. O ponto final desta trilha se dava no
momento em que a paisagem se tornava repetitiva em demasia e o
cansaço começava a aparecer. Depois de um pequeno intervalo para
descanso e merenda, retornávamos pelo mesmo trajeto de ida.
Chegávamos exaustos na FCAP!
Trilha
04: Esta sem dúvida a mais extensa de todas elas. Além de
todo o conteúdo mostrado na trilha 03, acima descrita, esta incluía
os ecossistemas aquáticos de lagos e igarapés do estuário.
Saíamos
da floresta de várzea localizada na APEG, pegávamos a estrada de
piçarra conhecida como estrada da Fazenda Velha da EMBRAPA e
seguíamos em frente, em direção dos lagos da Água Preta e
Bolonha. Certa altura, na margem da nossa direita, vislumbrávamos
estruturas que canalizavam as águas do rio Guamá para o interior do
lago da Água Preta. À esquerda, pastos. Alcançávamos algumas
centenas de metros adiante o lago. Rumávamos para o salão
construído projetado em sua margem que abria um cenário completo de
todo o lago. Nesse prédio funcionava então o clube campestre dos
funcionários da COSANPA. Era aí que abordávamos os primeiros
conceitos sobre os ecossistemas de lagos de várzeas. Descansados,
continuávamos a aula. Ainda na margem do lago da Água Preta, agora
bem na beira da lâmina d’água, comentávamos sobre a importância
da manutenção das matas ciliares e da vegetação da margem de um
lago. Aningas e muitos capins canaranas além de macrófitas
dominavam a paisagem. Comentávamos sobre o efeito da eutrofização
de um corpo d’água e especificamente a importância deste lago
para o abastecimento de água para a capital paraense. Certa vez, por
indicação de um dos participantes que presenciou a cena, foi feita
a coleta de lixo urbano acumulado em sua margem… Ao fundo,
avistavam-se algumas casas na beira do lago… Era um sinal evidente
de invasão urbana lá pras bandas de Ananindeua… A trilha seguia
adiante. Mais adiante outro lago, o Bolonha. Neste viam-se as
construções para a captação da sua água e seu transporte para a
estação de tratamento da COSANPA localizada mais adiante. Aqui, os
comentários sobre a estrutura e função dos lagos e sua importância
estratégica para a preservação e conservação de um recurso
natural inestimável, a água, era debatido com muita ênfase e
preocupação. Finalizada a abordagem, rumávamos adiante, já com
aula dada como encerrada e alcançávamos a av. Júlio César logo
depois de ultrapassarmos os portões da COSANPA. Nestas alturas o
relógio marcava cerca de 13 horas! Algumas vezes, quando coincidia
da aula ser no sábado. O momento de congraçamento se passava em
algum pequeno bar de calçada… Mas essa é outra história…
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