terça-feira, 24 de agosto de 2021

Que pescaria!

 

            Era tempo de pesca com zagaia, uma lança feita em madeira com a ponta afiada em metal. Dois compadres do Baixo Amazonas, mais precisamente nas cercanias de Santarém, Pará, tinham resolvido pescar. As águas do lago estavam tranquilas e baixas. O tempo quieto. Lá foram os dois. Quem sabe, daria para fazer uma piracaia (farra ou piquenique feito na praia, com muita comida e bebida) no rio Tapajós. Armaram-se e matreiramente vasculharam os lagos de várzea. Vez por outra tomavam um gole da branquinha (não sei por que falam branquinha, se a cachaça é transparente?) para espantar o frio que fazia e aumentar a coragem. Remavam lenta e silenciosamente para não afugentar suas possíveis presas. Aproximaram-se de um pé de castanheira de macaco. Atenção: Vocês podem dizer assim. —Se eles estavam remando, como é que se aproximaram de um pé de castanheira? Esse cara está mentindo! Respondo. —Os dois estavam remando dentro de uma mata de igapó. Igapó é aquela floresta que vive constantemente dentro d’água.

            Pois sim. O enorme tronco da castanheira estava a poucos metros da canoa. A luz filtrava por entre as copas densas das árvores. Ficou claro, muito claro. Foi ai que os olhos humanos enxergaram o corpo de um enorme peixe se movimentando, oscilantemente perto deles. Arregalaram a vista, identificaram o peixe. Era um imenso aruanã, parente próximo do pirarucu. Escamas grandes, prateadas, reluzindo na luz difusa. O aruanã, como outros peixes, tem o costume de guardar seus alevinos (filhotes) dentro da boca. (Este detalhe não tem nada a haver com a história). Ali estava ele, bem perto da castanheira-de macaco em busca de seus apetitosos frutos. Nadava onduladamente. Um dos compadres aprumou a zagaia. Puxou a respiração; ao mesmo tempo concentrou pensamento e energia. Lançou a arma mortífera. O outro compadre tomava conta do remo e da direção da canoa. Zuuum! A água ficou por um momento agitada. Os dois abriram a boca. Segundos depois, os músculos finalmente relaxaram. Esperaram e viram que a zagaia tinha atingido o alvo. Aguardaram um pouco mais. Devagar, o remo cortou a água, impulsionando a canoa em direção ao tronco da castanheira. Viram, então, que a zagaia estava presa no peixe. A zagaia, observaram, tinha atingido o aruanã na cabeça e no rabo, ao mesmo tempo! Como? Ao rodear o tronco da castanheira, o corpo do peixe formou círculo e aí ficou fácil para a zagaia atingir a cabeça e o rabo, simultaneamente! Que pescaria!

            Esta história foi-me contada pelo Dionísio, filho do Baixo Amazonas, mais precisamente, Santarém, Pará e um exímio contador de histórias de pescador!

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Publicado em 19 de junho de 2013 em WEBARTIGOS

“Este rio é minha rua”

 

            Os ribeirinhos paraenses, especialmente aqueles que vivem no estuário amazônico, mostram uma intensa e harmônica relação com o rio e suas vizinhas, as várzeas. O fenômeno das marés e a influência que exercem sobre suas vidas, faz parte da ciência, que não está registrada em manuais, porém, viva em suas mentes e a eles transmitida pelos seus antepassados.

            O assoalho da casa, construído sempre acima da cota da maior maré do lugar; o trapiche de madeira, com pisos em dois níveis, um para a preamar e outro para a baixa-mar, e o uso frequente de um estipe de buritizeiro, uma palmeira típica das várzeas, como porto flutuante, através da qual ele chega facilmente ao rio, são algumas provas desta estreita relação do homem com o ambiente ribeirinho.

            A íntima cumplicidade do homem do rio, desde os primeiros anos de sua existência, com a canoa, com o “casco”, com o barco, com a igarité, com o “motor”, ou com a montaria, demonstra insofismavelmente esta simbiose com a água.

            É de montaria que ele bota os matapis nas beiradas. É de montaria que ele instala o espinhel para pescar o peixe. É de montaria que ele vai colher os frutos da andiroba e do cacau, dentre outros. É de montaria que ele vai para a festa na comunidade vizinha. É de montaria que ele leva o parente doente ao posto, ou morto para o cemitério. É de montaria que ele traz o sal, o pano e outros materiais dos quais não dispõe no lugar. É de montaria que ele leva seus produtos para vender nos mercados consumidores de Belém. Enfim, é pelo rio que ele vive e morre. Acha graça ou chora. Vai ou vem.

            A casa de madeira, com fachada simples, de uma porta e uma janela quase sempre abertas como braços prontos para um abraço afetuoso, ocupam a parte mais alta da várzea, a pele do rio. Ao seu redor, o terreiro onde predomina a palmeira açaí. A presença de fruteiras exóticas como o jambeiro, a mangueira e o fruta-pão, denuncia a sua história mestiça com o colonizador. Os cacaueiros nativos, espalhados por entre a biodiversidade vegetal, tornam-se imunes à “vassoura de bruxa”. Deles colhem os frutos para retirarem as sementes, que depois de secos ao sol são comercializadas. O cupuaçuzeiro, primo do cacaueiro, de fruto de sabor inigualável, tem sempre o seu lugar no pomar. Tem também o urucu, de cujas sementes preparam o corante para a comida. A quase sempre cuieira, de cujo volumoso fruto esférico confecciona a cuia, uma vasilha usada para tomar o “vinho” de açaí ou o apimentado tacacá. Os pés de moca, que satisfaz o vício do café das horas frientas, na certeza da pureza do sabor. O cipó-alho e o pé de canela, condimentos que não podem faltar. Tudo isso, são adornos que o homem colocou na pele do rio, para embelezá-lo, além de satisfazer algumas das suas necessidades vitais.

            Enquanto o homem consumista da cidade sonha em ter um dia um automóvel, o ribeirinho sonha em ter um barco. Enquanto o homem da cidade dá as costas para o rio e para ele descarrega todos os seus dejetos, o ribeirinho o abraça, o compreende e o referencia. O poeta está certo quando diz: “Este rio é minha rua”.

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Publicado em 14 de junho de 2013 em WEBARTIGOS

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Arrombado

 

            “O Senhor das Esperas, pra não ficar com as vastas mãos abanando, depois de ter criado os peixes, e os astros, e as águas, e as trevas e tudo…”, escreveu Vinícius de Moraes, “…resolveu criar a praia de Arrombado, em Maracanã, litoral do Pará” – arremato eu. Lá, o Dia da Criação parece que ainda não acabou.

            Areia sem fim, manguezais quase também, nada de terra firme. Vento Norte forte o tempo todo. Maré alta, maré baixa. Sol, muito sol. A presença humana é percebida pelas poucas casas, quase todas feitas de madeiras de mangueiro e cobertas de palhas, trazidas de longe, da terra firme; pelos currais de peixes que franjeam os bancos de areia, salientes nas marés baixas, e, pelas barcas à vela ou motorizadas.

            Lá tem peixe, camarão, caranguejo, sururu, mexilhão, turu, siri, sapequara… – Quer mais? – Tem o “Procoió”, apelido de Adriano do Espírito Santo Maia, caboclo puro de coração. Que não troca a amizade por dinheiro. Que vai tirar caranguejo no mangal e presenteia-nos sem esperar retribuição. Que sai com o puçá de pescar camarão na noite escura, quando a maré começa a subir, palmilhando algumas centenas de metros de beira de praia, ensinando para mim mais uma lição de vida. E é aí que, de repente, descubro-me como se estivesse pisando nos astros, nas constelações, na Via Láctea! Olho para a água agitada pelo movimento de nossos passos e vejo uma profusão de luzinhas que se acendem… – Serão organismos luminescentes ou areia radioativa? – Especulo.

            A comunidade que lá existe, portanto, vive exclusivamente da pesca, farta quase todos os meses do ano. Mas como disse, lá não tem terra firme. Não tem chão pra plantar a roça e fazer a farinha. Isto é um problema. Perto, existe uma ilha – Ipomonga – que tem. Mas, já tem dono. O seu dono parece que não come farinha… Não faz roça… Por que não repartir um pouco de terra com os que nada têm e dela precisam para sobreviver?

            As pessoas dizem que a praia de Arrombado está “crescendo”. É o interminável trabalho das correntes marinhas, das ondas e dos ventos incansáveis. Tiram daqui, põem ali. E assim vão brincando de construir.

            Por favor, um apelo eu faço aos senhores “donos do mundo”: Não “incentivem” o turismo, mesmo o dito ecológico, em Arrombado! Não planejem ponte nem estrada! Deixem sossegado o Senhor das Esferas continuar no seu interminável Dia da Criação!

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Publicado em 12 de junho de 2013 em WEBARTIGOS

Dona Maria e Seu José

 

Homenageio a Amizade e

dedico aos saudosos Seu José da Silva Telles e

D. Maria de Lourdes da Silva Telles.


            Em um dos sete dias da semana, não sei precisar em qual deles, Dona Maria e Seu José visitavam meus pais. Era sagrado. Em outro dia, também semanalmente, meus pais, Jacy e Lindalvo retribuíam a visita. Eles traziam sua filha e claro eu e meu irmão íamos com nossos pais até eles. As visitas se davam, impreterivelmente no início da noite. Íamos a pé até a casa deles. Morávamos na Rua Veiga Cabral, próximo da Praça Amazonas, bairro da Cidade Velha. Pegávamos a Rua Veiga Cabral até a Trav. Padre Eutíquio e dessa até a Rua Ó deAlmeida, esquina da Travessa Frutuoso Guimarães, no bairro do Comércio, onde moravam. Esses quase dois quilômetros de distância entre as duas casas, tirávamos em cerca de meia hora. Nem a distância, nem o tempo importava. E eles vinham à nossa também a pé. Era a década de mil novecentos e sessenta e Belém era pacata, calma, com poucos veículos nas ruas.

            Ao chegar em casa o Seu José sentava-se em uma cadeira já posta pelo meu pai à entrada do pátio, uma pequena mesa de centro e em outra cadeira meu pai. O jogo de damas começava. Ao mesmo tempo atualizavam as notícias e trocavam ideias. Dona Maria, seguia com minha mãe até o quarto de costura situado ao fundo da casa e lá papeavam. Colocavam em dia os acontecimentos e trocavam as mais variadas ideias e assuntos. Todas as semanas era essa rotina. Eles vinham até nossa casa e nós íamos até a deles. Esses encontros duravam horas e horas…

            Seu José e D. Maria trabalhavam no Serviço de Proteção ao Índio, SPI que depois passou a ser Fundação Nacional do Índio, FUNAI. Meu pai era dentista militar do Exército Brasileiro e servia no Hospital Geral de Belém, HGB e minha mãe costureira, de mão cheia, diga-se de passagem.

            Hoje, várias décadas passadas, muitos fatos acontecidos e muitos outros conhecidos, eu devaneio em lembrar essa bonita amizade. Meus pais já se foram e o Seu José também. Dona Maria, corajosa encara a vida como ela é. Trocamos de vez em quando telefonemas. Neles conheço mais um pouco, fortaleço os vínculos fraternos e levo adiante essa tão bonita e profunda amizade.

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Publicado em 07 de junho de 2013 em  WEBARTIGOS

domingo, 22 de agosto de 2021

Conversa de Pescadores. A história da onça que comeu o jacaré, que comeu o gavião, que comeu caranguejo, que…

                 Esta história se passou nas cercanias de Santarém, Pará, na região do Baixo Amazonas. Foi-me contada por um colega, o Dionísio, filho daquela região.

            O caboclo mocorongo, como de resto todo caboclo vivente das beiras dos rios amazônicos, tira das águas destes rios o seu alimento diário. Para isso, costuma usar diversos métodos de captura de peixes. Um dos mais usados é o espinhel, que consiste de uma linha principal feita de corda mais grossa, que suporta comumente de 4 a 10 anzóis, suspensos por linhas curtas de um metro de comprimento ou menos. A extensão total do espinhel pode chegar a 30 metros. As suas extremidades são amarradas entre ramos de árvores ou cipós da beira e, em seguida, os anzóis são iscados. Para esta tarefa, usam-se frutos, sementes e também uma espécie de caranguejo pequeno, de coloração avermelhada, muito comum nessas áreas.

            Certa feita, o caboclo estendeu o espinhel, iscado que foi com o dito caranguejo. Quando foi despescá-lo, em vez de encontrar tambaqui (Colossoma macropomum) deu de cara com uma onça (Pantera onça) iscada na linha. Ao sacrificá-la, para a retirada do anzol, em seu estomago foi encontrado um pequeno jacaré-açu (Melanosuchus Níger). Curioso que era, tirou as tripas deste réptil e, dentro delas, encontrou um gavião-caramujeiro (Rostrhamus sociabilis). O espanto do caboclo foi maior ainda quando percebeu que, na goela da ave falconiforme, encontrava-se o pequeno caranguejo (Trichodactylus sp.) e finalmente o procurado anzol!

            Descontados os exageros próprios de história de pescadores, esta narrativa nos mostra um fato ecológico muito importante e já constatado cientificamente: a interdependência existente entre os ambientes terrestres e aquáticos da Amazônia. Senão vejamos: O peixe tambaqui alimenta-se de frutos de seringueira-barriguda (Hevea spruceana) e de jauari (Astrocarium jauri), na época de floração dessas espécies vegetais, características das margens dos rios. Quando não existem estes frutos, o peixe captura pequenos crustáceos, dentre outros pequenos animais. Outros três gêneros deste peixe caracóide (Brycom Mylosmae Myleus) também são considerados frugívoros – comedores de frutos – e granívoros – comedores de sementes. Pacus alimentam-se de mata-fome (Paulinia sp.) e de tartaruguinha (Amanoa sp.) que crescem nas margens do rio. Até a temível piranha (Serrasalmus sp.), na época da escassez de suas presas, não dispensa sementes de seringueira.

            Na história acima, temos um organismo – crustáceo – que vive por entre os capins das margens; uma ave de rapina, que habita a floresta marginal ao rio; um réptil que alterna o ambiente aquático com o terrestre e um mamífero carnívoro, tipicamente terrestre, porém, que vai à beira do rio se refrescar e beber água. Assim, a cadeia alimentar formada, engloba organismos que mesmo vivendo em ambientes distintos, trocam entre si relações alimentares, que demonstram o quanto deve ser cuidadoso o manuseio e a transformação dos ecossistemas da Amazônia.

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Publicado em 03 de junho de 2013 em WEBARTIGOS

Meninos de Cachoeira

 

            – Vamo se banhar no teso? – O convite é feito por alguém. Imediatamente o bando de moleques se forma. Garotos e garotas surgidas na sei de onde. Um chuvisco intermitente ensopa o chão argiloso. A argila impermeabiliza o solo. A água mesmo pouca não consegue se esconder na terra. Empoça na sua pele.

            – Vamo pegá tucumã? – Fala outro.

            – Vamo catá maracujá do mato? – Diz mais um. A gandaia é grande. O destino é o teso que fica próximo do cemitério da cidade. É uma reta só. Nos lados da estrada o banhado. O campo inundado pelo inverno marajoara. Juncos e ninfeáceas formam um imenso tapete ondulante. Ondeiam ao sabor do vento. Na beira da estrada, vez por outra, aparece um pé de tucumã. A molecada caminha numa desenvoltura de fazer inveja. Como se o solo não estivesse liso e escorregadio com a tabatinga molhada. Quem sabe seria a “neve” equatorial e sobre ela poder-se-ia deslizar de esquis… Aqui, ali, catam no chão os frutos maduros do tucumã, por entre as folhas caídas e dos terríveis espinhos do tucumanzeiro. Logo as bocas e os lábios estarão alaranjados e melentos. Mais adiante, o tapete verde dá lugar à água, quase transparente. A molecada, que vinha quase sem liderança, rapidamente se joga n’água. Flecham como zagaias de seus ancestrais marajoaras. Alguém inventa a brincadeira de pira maromba. E lá vão eles se esconder entre os juncos. Mergulham aqui, boiam mais adiante. E assim levam a brincadeira. De novo a desenvoltura deles na água mostram a harmonia com o ambiente. Parece que tudo é conhecido e tudo é bom.

– Vamo pegá maracujá do mato! – Repete mais um. Chegou a hora de deixar a água e embrenhar-se no mato. A ordem é logo obedecida e minutos depois o palco das brincadeiras é o terreno seco do teso. Agacham-se por entre um verdadeiro manto de trepadeiras. No meio delas está o maracujá silvestre. Começam a catar os frutos encontrados no chão. É a certeza de que estão maduros. Giram. Rodopiam. Vão e voltam. Novamente a estreita afinidade com o ambiente é mostrada. Desconhecem os cipós espinhentos e a tiririca cortante abundante no caminho. Logo estarão empanturrados de tanto comer maracujá do mato. Alguns, porém, recolhem o fruto, mas não o comem. Vão levá-los para casa. Têm aqueles que se especializam em colher frutos de tucumã, que também está na safra. Dizem que é para preparar a canhapira – comida feita com o caldo extraído da massa dos frutos do tucumã, misturada com pedaços de peixe, carne seca ou de porco, fervida por vários dias na lenha. Quanta ciência mostram ter esses meninos e meninas de Cachoeira do Arari! Quem da cidade grande vê esses fatos, se impressiona. Comparo com os meninos nas praças, nas ruas, nas calçadas, ou até nos agora escassos terrenos baldios de Belém. Aqui os perigos são outros. Lá as piranhas abundantes parecem não incomodar os meninos. Parecem até não considerar o temível peixe como inimigo. Serelepemente, as crianças de Cachoeira do Arari nos informam que o seu mundo existe. Único e próprio como a ilha do Marajó que como eles, está esquecida no tempo. Fantasmagoricamente esquecida...

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Publicado em 28 de maio de 2013 em WEBARTIGOS


sábado, 21 de agosto de 2021

A “Ponte”

 

            O “Aurélio” nos ensina que ponte é uma “construção destinada a ligar margens opostas duma superfície líquida qualquer.” Em Soure, no Pará, um dos dezesseis municípios do arquipélago do Marajó não o é, ou, pelo menos, identifica outra construção, o porto, que, ainda para muitos nativos recebe outro nome, que não tem nada a ver: trapiche. Novamente o “pai dos burros” me socorre definindo trapiche como um “armazém onde se guardam mercadorias importadas ou para exportar”. É comum escutar de pessoas moradoras da cidade: “Vai ter festa na ponte.” “Fulano, vai me encontrar na ponte.” A “ponte”, portanto, é um local de atração e encontros.

            Cerca de quatro a cinco décadas passadas, os únicos meios de transporte para se chegar ou sair de Soure  eram o barco ou o navio. Embora a cidade tenha um aeroporto, uma viagem aérea era e ainda é destinada quase exclusivamente para fazendeiros, políticos, empresários ou em caso de urgência e emergência pra acudir um enfermo. Assim, o porto da cidade era o lugar mais concorrido da cidade. Nos dias de partida ou chegada do navio da extinta ENASA, o Presidente Vargas, quase toda a cidade ia se despedir ou receber uma pessoa. E muito mais que isso, iam se inteirar de quem estava chegando e quem estava partindo…

            Matutando com meus botões, ao ouvir frequentemente essas frases anteriormente exemplificadas, tentei uma explicação. Não admitia que as pessoas confundissem ponte com porto, duas construções bastante diferentes nas suas estruturas e funções. Dai veio a elaboração desta tese: Os nativos de Soure falam ponte para o porto, porque em um passado recente era essa edificação o mais importante, pra não dizer o único, ponto de ligação entre a cidade insular e o resto do mundo, a começar com a capital do estado, Belém. Os meios de comunicação eram precários. Não havia telefone nem tevê. Só o rádio AM. Este sim, comunicador de mensagens, as mais diversas, entre o município e a capital. Para poucos, havia o rádio amador. Celular, nem pensar!                                                   Ainda hoje, o meio predominantemente utilizado para se chegar ou sair de Soure é o fluvial, através de barcos e “ferryboats”. Mas a “ponte” ou o porto da cidade perdeu a sua importância. Nele não mais atracam nem barcos, nem navios de passageiros. Os barcos ou navios partem do porto de Belém e os “ferryboats” da vila de Icoaraci, cerca de 15 quilômetros do centro de Belém. Atravessam a baia do Marajó e depois de cerca de três horas chegam ao porto de Camará, no município de Salvaterra,  já no arquipélago do Marajó. Daí até Soure, em ambos os casos, deverão ser vencidos mais cerca de trinta e cinco quilômetros de estrada e mais uma travessia de rabeta ou balsa, que levam de cinco a quinze minutos, respectivamente. Assim, uma viagem de Belém até Soure dura em média cerca de quatro e meia a cinco horas, embora em linha reta a distância entre as duas cidades seja de cerca de 80 quilômetros.

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Publicado em 25 de maio de 2013 em WEBARTIGOS

Divulgação do Livro Amazônia: Do Quase Paraíso Verde ao Provável Deserto Vermelho e Cinza

  Olá! Peço que divulguem em suas redes sociais e de algodão... PARA CONHECER MAIS, ACESSE E LEIA:  Onde está publicado e disponível também ...