– Lá vem o avião! –
falava com segurança minha avó
Clarice. O avião era o Catalina da Panair. A cidade era Maués, interior do Amazonas. O tempo era o
início da década de 1960. Eu corria para a janela, não via nada.
Saía para o quintal, girava o corpo 360º, com a cabeça na direção
do céu, mas nada. Nada de avião. Tentava a beira do rio, onde o
Catalina amerissava (Sim, o avião pousava nas águas negras do rio
Maués) e mais uma vez não via nada. Absolutamente nada.
– Vó, como é que a senhora sabe que é o avião que está chegando? -- perguntava eu intrigado.
– Conheço o ruído que ele faz.... – retrucou carinhosamente, do alto de sua imensa sabedoria.
– Lá vem o “Rápido”! (“Rápido” era o '‘motor’' que fazia a viagem Maués - Manaus - Maués) – dizia confiante minha avó. (A casa dela é de frente para o rio Maués, em um ponto alto da terra firme que se projeta até a beira do rio. De lá se tem uma visão panorâmica do rio e até se vê a “boca” do paraná do Ramos.) De novo corria para a frente da casa, fixava o olhar em direção à boca do rio, por onde os barcos costumavam chegar, e nada.
– Ah se eu tivesse um binóculo! – conjecturava eu.
– Vovó, a senhora também conhece e distingue os ruídos dos “motores”? (“Motor” é a palavra com que é chamado o barco feito em madeira com o motor propulsor instalado quase sempre no centro, a aproximadamente um terço da popa.)
– Sim. E não erro nunca, ou quase nunca. – respondeu com a segurança costumeira dela. E não errava mesmo. Existiam outros “motores” na cidade. Ela conhecia o ruído de cada um deles.
Hoje, morando em Belém, eu me recordo daquelas férias escolares. Questiono o poder que minha avó mostrava ao identificar os ruídos. Analiso e vejo que não tinha nada de sobrenatural ou parapsicológico; como parecia ter pra mim, naquelas alturas. Significava apenas que naquele tempo, os ruídos e sons provocados pelos engenhos humanos eram poucos, na pequena cidade de Maués; cidade construída junto à uma aldeia de índios Maués (os conhecedores das maravilhosas propriedades do guaraná). É a terra do guaraná. Não havia rádios ou eram poucos esses aparelhos. Tevês nem se falava. As ruas tinham pouquíssimos veículos motorizados. Uma única “Vespa”: a do Zé Cóti. A cidade era fundamentalmente ribeirinha. Suas estradas eram o rio, os igarapés e paranás. E os seus automóveis eram a canoa, o casco, o motor e o batelão.
Nesse tempo, a cidade despertava com o canto dos pássaros ou com o sino da igreja matriz. Os ouvidos humanos, portanto, estavam livres da poluição sonora dos dias atuais. Era o tempo em que se podia ouvir a Natureza, humana ou não.
Para saber mais, clique sobre as palavras sublinhadas em vermelho.
Publicado em 16 de março de 2013 WEB ARTIGOS
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