Ao lado do prédio onde moro tem um pé de goiabeira. Algumas semanas atrás ele estava cheio de frutos. A sua copa ultrapassava a altura do muro que separa a casa do vizinho do prédio. Alguns dos seus galhos chegam a debruçarem-se generosamente para o lado do prédio, onde fica uma rampa que dá acesso à garagem superior. De fácil alcance, portanto, sem precisar escada. Esse é o meu trajeto rotineiro quando preciso ir à garagem. Numa dessas vezes, olhando este cenário, veio um pensamento que remeteu imediatamente à minha infância:
– Será que esses frutos ficariam dando sopa no pé por muito tempo se hoje eu ainda fosse criança? – Perguntei intrigado pra mim mesmo. Simultaneamente dei a minha resposta sem pestanejar: – Não! Claro que não! Já teríamos dado – eu e outros garotos – um jeito de colhê-los. Fácil, fácil!!! – Completei.
Em minha infância, passada a grande maioria dela no bairro da Cidade Velha, Belém, Pará, pouquíssimos veículos nas ruas que nem asfaltadas eram, eu brincava na rua, isto é, quando conseguia escapulir dos olhos atentos de minha mãe costureira que me vigiava de seu quarto de costura no fundo de casa. Eu matreiramente, esperava a ocasião de uma freguesa chegar e quando o caminho estava livre corria, abria silenciosamente o portão e ia brincar na rua.
Bem perto de casa, dobrando a esquina da trav. Ângelo Custódio, à direita, existia um terreno baldio e no limite dele um quintal com uma rústica cerca feita com estacas de acapu. A gente apelidou o lugar de Rancho Fundo. Era o meu local preferido para brincar. E o meu brinquedo predileto era baladeira, sim, baladeira ou estilingue… Dentro deste terreno, havia um pé de mangueira bastante alto que era periodicamente visitado por periquitos e outros pássaros quando começava a safra do delicioso fruto. Porém, sua copa não alcançava o limite do quintal. Rotineiramente, após minha chegada do colégio ao final da manhã, trocava apressadamente a roupa e me mandava para lá, sempre é claro, às escondidas de minha mãe. Quando via as mangas maduras já caídas no chão ou quando acertava uma certeira balada em uma delas por mim escolhida, dava um jeito de abrir espaço entre as estacas da cerca pra que meu magro corpo passasse por ela e assim adentrava com o maior cuidado e atenção a fim de resgatar o fruto desejado. O tempo que permanecia dentro do quintal era o mínimo possível, visto que na casa localizada alguns metros adiante, era habitada e, é claro, ralharia energicamente a gente pela invasão… É claro que antes de fazer tudo isso, investigava se tinha cachorro no quintal. Para a nossa alegria, a casa não tinha nenhum cachorro, só algumas galinhas e patos…
Agora, algumas dezenas de anos depois, na mesma cidade transformada pelo progresso e aumento populacional, a situação é outra.
Retorno aos tempos presentes e continuo a minha reflexão. Da rampa próxima do muro e dos ramos frutíferos da goiabeira, vejo um grupo de garotos sentados no chão, compenetrados quase todos com seus celulares smartfones nas mãos. Quase não levantam suas cabeças para ver ao redor, parecem hipnotizados pela tela do aparelho digital. Bem perto deles a generosa goiabeira oferecia seus frutos maduros.
Os dias se passaram e os deliciosos frutos maduros, com ou sem os bichinhos dos frutos continuavam lá até serem finalmente devorados por pipiras e outros passarinhos visitantes habituais do lugar. E os garotos continuavam em seu passatempo digital diário.
Quantas diferenças de mundo! Ah, se fosse no meu tempo de criança!
(*) Artigo escrito por mim em 15 de abril de 2021