domingo, 26 de setembro de 2021

O pé de goiabeira

 

                Ao lado do prédio onde moro tem um pé de goiabeira. Algumas semanas atrás ele estava cheio de frutos. A sua copa ultrapassava a altura do muro que separa a casa do vizinho do prédio. Alguns dos seus galhos chegam a debruçarem-se generosamente para o lado do prédio, onde fica uma rampa que dá acesso à garagem superior. De fácil alcance, portanto, sem precisar escada. Esse é o meu trajeto rotineiro quando preciso ir à garagem. Numa dessas vezes, olhando este cenário, veio um pensamento que remeteu imediatamente à minha infância: 

                Será que esses frutos ficariam dando sopa no pé por muito tempo se hoje eu ainda fosse criança? Perguntei intrigado pra mim mesmo. Simultaneamente dei a minha resposta sem pestanejar: Não! Claro que não! Já teríamos dado eu e outros garotos um jeito de colhê-los. Fácil, fácil!!! Completei.

                Em minha infância, passada a grande maioria dela no bairro da Cidade Velha, Belém, Pará, pouquíssimos veículos nas ruas que nem asfaltadas eram, eu brincava na rua, isto é, quando conseguia escapulir dos olhos atentos de minha mãe costureira que me vigiava de seu quarto de costura no fundo de casa. Eu matreiramente, esperava a ocasião de uma freguesa chegar e quando o caminho estava livre corria, abria silenciosamente o portão e ia brincar na rua.

                Bem perto de casa, dobrando a esquina da trav. Ângelo Custódio, à direita, existia um terreno baldio e no limite dele um quintal com uma rústica cerca feita com estacas de acapu. A gente apelidou o lugar de Rancho Fundo. Era o meu local preferido para brincar. E o meu brinquedo predileto era baladeira, sim, baladeira ou estilingue… Dentro deste terreno, havia um pé de mangueira bastante alto que era periodicamente visitado por periquitos e outros pássaros quando começava a safra do delicioso fruto. Porém, sua copa não alcançava o limite do quintal. Rotineiramente, após minha chegada do colégio ao final da manhã, trocava apressadamente a roupa e me mandava para lá, sempre é claro, às escondidas de minha mãe. Quando via as mangas maduras já caídas no chão ou quando acertava uma certeira balada em uma delas por mim escolhida, dava um jeito de abrir espaço entre as estacas da cerca pra que meu magro corpo passasse por ela e assim adentrava com o maior cuidado e atenção a fim de resgatar o fruto desejado. O tempo que permanecia dentro do quintal era o mínimo possível, visto que na casa localizada alguns metros adiante, era habitada e, é claro, ralharia energicamente a gente pela invasão… É claro que antes de fazer tudo isso, investigava se tinha cachorro no quintal. Para a nossa alegria, a casa não tinha nenhum cachorro, só algumas galinhas e patos

                Agora, algumas dezenas de anos depois, na mesma cidade transformada pelo progresso e aumento populacional, a situação é outra.

                Retorno aos tempos presentes e continuo a minha reflexão. Da rampa próxima do muro e dos ramos frutíferos da goiabeira, vejo um grupo de garotos sentados no chão, compenetrados quase todos com seus celulares smartfones nas mãos. Quase não levantam suas cabeças para ver ao redor, parecem hipnotizados pela tela do aparelho digital. Bem perto deles a generosa goiabeira oferecia seus frutos maduros.

                Os dias se passaram e os deliciosos frutos maduros, com ou sem os bichinhos dos frutos continuavam lá até serem finalmente devorados por pipiras e outros passarinhos visitantes habituais do lugar. E os garotos continuavam  em seu passatempo digital diário. 

                Quantas diferenças de mundo! Ah, se fosse no meu tempo de criança!

(*) Artigo escrito por mim em 15 de abril de 2021

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

O canto do galinho garnisé

 

                Desperto quase diariamente com um cantar diferente e de certa forma inesperado: O canto de um galinho garnisé.


Começa por volta das quatro e meia da madrugada e não para mais dia afora. Pelo som que me chega sei que é um galo garnisé – já tive vários, tempos atrás, quando era sitiante. É uma raça de galináceo cujo tamanho é bem menor que das galinhas domésticas comuns. São criados mais como decoração ou ornamentação do terreiro do que para qualquer outra finalidade econômica. Pela intensidade do som que escuto sei que está bem próximo. Certamente de um vizinho ao prédio onde moro, mas até agora não vi onde o mesmo está. As casas ao redor, pouquíssimas delas têm quintal. Umas com micros quintais sem chão com terra e plantas, outras, na verdade, são áreas destinadas à lavanderia, churrascaria, depósito, etc. Já dei várias olhadas mais acuradas em diferentes períodos do dia, mas em vão. Escuto o som, porém, o seu autor, não. É um canto melancólico, extremamente melancólico e triste. Cocorocó!!! Completo. Tem início, meio e fim, mas repito: extremamente melancólico e triste.

Ele continua a cantar durante a manhã toda e até a tarde! – Será que está chamando uma companheira para o acasalamento? – conjecturo eu. – Ou será que está triste por estar preso em uma gaiola? – Continuo a especular… – Que mensagem ele está transmitindo? Pesquisei no Prof. Google a existência de algum aplicativo que convertesse os sons do galinho em palavras, frases e textos humanos. Achei um aplicativo para cães, isso mesmo: tradutor para cachorro! Quero saber o dia em que a Humanidade traduzirá o horror da fome, da tragédia das guerras e dos males que assolam ainda hoje, uma grande porção dos seres humanos!

                Digo que é inesperado porque moro em meio urbano e como disse acima, tem pouquíssimos quintais nas casas ao redor. Escuto eventualmente, sim, outros cantos. São aves que certamente estão se adaptando ou já se adaptaram ao ambiente urbano onde a luminosidade noturna é muito intensa, ruídos de buzinas e veículos, além dos infernais sons automotivos frequentes na redondeza, especialmente estacionados em postos de combustíveis e praças. Os sabiás-laranjeiras começam a cantar também no clarear do dia. Mas estes cânticos são musicais, harmoniosos e gostosos de se ouvir. Lembram das matas e dos cenários naturais que a cada dia ficam mais distante daqui. As pipiras e sanhaços, idem. Alguns desses fazem ninhos em caixas de ares-condicionados ocupadas ou não no prédio, outros em postes de energia elétrica, ou nos beirais de casas, ou ainda, em alguma eventual árvore de arborização pública ou dos raros quintais, como forma de sobreviverem na selva de pedra. Sem esquecer, é claro, dos que os tem como animais de estimação, os pets em gaiolas.

                Mas de todos os sons que escuto, o do galinho garnisé é o que mais me chama a atenção e me impressiona. Parece que ele está mandando uma mensagem para os humanos:

                “– Cuidem-se! Comuniquem-se! Conversem! Exercitem a tolerância, o trato com seu vizinho! Deem bom dia! Falem um ‘como vai’ sincero, ao cruzar com alguém! Deixem de ser egoístas e individualistas! Visitem seus vizinhos, mesmo que seja de forma virtual nesses tempos pavorosos de pandemia! Usem suas redes sociais para expressar a amor, carinho e solidariedade verdadeiras, autênticas, sem exibicionismo ou falsas filosofias!”

                Assim, traduzo, do fundo de meu coração, sem uso de aplicativos, esse canto que me vale mais do que mil palavras ou bytes. Espero que um dia finalmente eu o localize. Mas se isso não acontecer, já me darei como recompensado em ter “traduzido” o seu canto melancólico e triste. O canto do galinho garnisé!


Para saber mais, clique sobre as palavras sublinhadas em vermelho.


Publicado em 13 de agosto de 2021 em WEBARTIGOS

domingo, 12 de setembro de 2021

Meu mundo cão

                 De manhã. Ao redor de minha casa

        Au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au,, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au!

                De tarde. Ao redor de minha casa: 

        – Au-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au,, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au!

                De noite. Ao redor de minha casa: 

                – Au-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au,, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au!


                De madrugada: Ao redor de minha casa: 

                – Au-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-auau-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au,, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au, au-au!

                Este é o meu mundo cão em plena pandemia. Em pleno isolamento social!

Para saber mais, clique sobre as palavras sublinhadas em vermelho.

Publicado em 13 de agosto de 2021 em WEBARTIGOS


Desabafo

 

                Este texto faz parte de uma resposta que dei para um amigo no WhatsApp que compartilhamos. Refere-se a um recente e autêntico vídeo onde o prefeito atual de uma capital do norte brasileiro se manifesta verbal e fisicamente com horrendas caretas e trejeitos sobre um fato político que acontece atualmente em uma ilha da América do Norte. Resolvi transformá-lo em crônica na esperança de registrar de forma digital minha posição enquanto ser humano político – mas não partidário – com outras pessoas, a maioria desconhecidas por mim, mas que certamente buscam na leitura não só diversão como também conhecer mais o mundo ao seu redor, seja ele considerado ruim, regular, bom, ou ótimo, não importa. Insisto que respeito a opinião contrária e reconheço que não sou o dono da verdade, portanto, aberto ao contraditório e debate sadio e respeitoso. Apenas tento colocar pra fora os meus pensamentos e experiências vividas intensamente alguns momentos, outras vezes de forma silenciosa mas nunca alienada ou omissa diante de um mundo cada vez mais complexo, desafiador, fantástico, ao mesmo tempo controverso, ilógico e absurdamente diversificado. Não fui, não sou e nem quero ser o que chamam hoje de “influenciador digital”. Talvez, a escrita seja uma arma possível sem ferir o físico mas de atingir o mental, o que, convenhamos, está sendo esquecido por muitos neste mundo atual. Carrego comigo a certeza que ela, a expressão escrita é das formas de comunicação, a mais duradoura e forte. Por isso que os grandes feitos da Humanidade foram e são registrados via escrita. Tai os Dez Mandamentos; A Bíblia; O Alcorão; O Livro dos Espíritos; As Constituições dos Países e muitos outros exemplos. Vejam e leiam:

                “Bom dia!

O “Sistema” está podre! Eu não votei nesse indivíduo. No que votei e ficou em segundo lugar, agora, a Polícia Federal está investigando por receber propina em troca de informações privilegiadas. Devo dizer que respeito as opiniões contrárias, mas às vezes penso que a gente está vivendo – sem perceber ainda – o chamado apocalipse da Bíblia! Explico: De um lado o desenvolvimento fantástico da ciência e tecnologia. De outro, um cruel e perverso retrocesso. Juventude alienada, egoísta e individualista. Só celular e redes sociais. A família é uma entidade nesse mundo, que corre sério risco de se extinguir. A cultura musical dos mais jovens, por exemplo, é lastimável. Músicas com letras e ritmos mais parecendo urros de homens da Pré-história. Nesse cenário todo, eu, um simples mortal, me resigno e me reduzo à minha insignificância. Não tolero redes sociais – a única que ainda tenho é esta aqui, meu Gmail e alguns blogs por mim criados além de escrever, enviar e submeter à aprovação artigos em formato de crônicas, em um site que os recebe bondosa e gratuitamente. Sim, a minha rede preferida é uma de algodão onde faço a minha sesta e durmo o meu sono diário e reparador físico e espiritual. Esses políticos, – existem pequenas exceções é claro, – se fiam em suas imunidades parlamentares e em muitos outros injustos e nocivos penduricalhos, e, em nome de uma democracia perversa, falam e fazem o que querem sem respeitar ou considerar que são homens públicos que prestam serviços ao povo e não somente aos seus correligionários. Finalmente, reconheço que já fiz a minha parte. Cometi inúmeros erros certamente, mas aprendi com eles também. A Vida me concedeu mais uma oportunidade em corrigi-los. Pulei fora da universidade em 2010 e me aposentei quando ainda tinha certamente mais 10 – 20 anos de energia para encarar, por pura decepção com muitos dos universitários e a universidade de então. Assim me dedico à minha nova família e trinca de filhos, na esperança de no meu último suspiro poder dizer: Valeu a pena viver!!!”

Para saber mais, clique sobre as palavras sublinhadas em vermelho.

Publicado em 13 de agosto de 2021 em WEBARTIGOS

Divulgação do Livro Amazônia: Do Quase Paraíso Verde ao Provável Deserto Vermelho e Cinza

  Olá! Peço que divulguem em suas redes sociais e de algodão... PARA CONHECER MAIS, ACESSE E LEIA:  Onde está publicado e disponível também ...